A linguagem humana na era digital
A revista Veja publicou, na edição de 8 de julho de
2020, uma reportagem de interesse dos linguistas. Lê-se, nas páginas 84-85, que
o suíço Balthasar Bickel, da Universidade de Zurique, desenvolveu uma pesquisa
com o intuito de relacionar o desenvolvimento da agricultura ao aparecimento de
novos sons na linguagem humana.
Segundo suas conclusões, mudanças na dieta alimentar
modificaram a mandíbula dos homens até então acostumados a ingerirem a carne dura
de grandes animais. Escreve a revista que, graças ao cultivo do trigo e da
cevada, o Homo Sapiens do período neolítico pôde saborear alimentos macios em
vez da carne tesa de um antílope. Essa modificação permitiu que os dentes
superiores se projetassem, assumissem a configuração que apresentam hoje e possibilitou
também que se pronunciassem os fonemas /f/ e /v/, presentes em uma série de
línguas entre as quais pode ser citada a portuguesa.
Se o trabalho citado vasculhou a relação existente entre o modus
vivendi de nossos ancestrais e o desenvolvimento de sua linguagem,
recentemente, os interesses de Bickel se voltam para a influência que a era
digital pode exercer em nossa forma de expressão. A hipótese que ele levanta
agora é que os humanos teremos de modificar nossa fala em decorrência do
contato cada vez mais frequente que mantemos com a inteligência artificial.
Os cientistas já constataram não ser fácil a nossas
interlocutoras digitais - como a Siri, da Apple, e a Alexa, da Amazon -
compreender o modo como falamos, sempre crivado de gírias, interrupções, formas
sincopadas. Tendo em vista essas dificuldades e a presença cada vez maior de parceiros
artificiais, seremos obrigados a alterar nossa articulação para que eles possam
nos entender. Note que, quando nos comunicamos com robôs – imagine-se ao
telefone, procurando uma informação da rede bancária - temos de falar mais
pausadamente. Se quisermos ser entendidos, somos forçados a articular melhor as
palavras. Diante dessas constatações, não parece inconcebível concluir que a
era digital trará decorrências ao modo como nos expressamos.
Mas, ao lado dessas modificações, que interiorizamos com
certa facilidade, espera-se que a tecnologia traga descobertas mais
impactantes. Relata a Veja que a
Universidade de Zurique desenvolve um projeto que se assemelha a uma cena de
ficção científica: durante a cirurgia de um paciente, foram instalados, em seu
cérebro, eletrodos que captaram fragmentos de seu pensamento!
Tendo em vista essas constatações, observa Bickel que, em
breve, será possível prever o que alguém está pensando antes que a pessoa diga.
Prossegue o linguista, ainda segundo a revista: Isso vai levar a
comunicação humana para outro patamar, transformando tudo o que fizemos até
aqui.
Certamente, as descobertas são fascinantes em termos
científicos, mas é de perguntar se, diante desse cenário, nossa intimidade não
ficará ainda mais devassada do que tem sido até o momento.
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