sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020


Argumentação e linguagem
Rápida incursão pelo livro de Ingedore Koch



Apresentação

Lançada pela Editora Cortez, o livro não é novo. A quinta edição, que tenho em mãos, data de 1999. As obras de Koch, entretanto, sempre merecem atenção. Não há quem não veja a autora como estudiosa séria, uma referência quando se trata de estudos sobre a linguagem.

Argumentação e linguagem apresenta prefácio de Luís Antônio Marcuschi e seus capítulos têm, entre si, um denominador comum: todos tratam, evidentemente, da linguagem. Não se estruturam, entretanto, em torno de um único tópico. Como a autora esclarece na página 18 da nota introdutória, as ideias que se encontram no volume constituem releituras de comunicações apresentadas em congressos, artigos publicados em revistas especializadas e capítulos da tese de doutorado, defendida por ela.

O conteúdo

Segundo suas palavras. o objetivo final da publicação é colaborar com o aprimoramento da leitura e da produção de textos em língua portuguesa. Para tanto, organizou o livro em cinco capítulos.

O primeiro recebe o nome de “Discurso e argumentação” e sente-se, ali, forte influência das ideias de Carlos Vogt e de Oswald Ducrot. Nele, a pesquisadora destaca a presença marcante da orientação argumentativa da linguagem, afirmando que, a todo enunciado,  subjaz uma ideologia Partindo, portanto, do princípio de que a argumentação é uma atividade intrínseca ao ato da fala, Koch sustenta a tese de que o raciocínio argumentativo é um fator fundamental não apenas à coesão como também à coerência textual.

Aceito esse postulado, não se justifica distinguir – como fazem os estudos tradicionais - textos argumentativos de dissertativos, uma vez que tal diferença levaria a eliminar, da dissertação, o posicionamento pessoal, devendo esse tipo de texto ficar restrito a uma mera exposição de conhecimentos. Entretanto, escreve a autora nas páginas 19/20, a simples seleção das opiniões a serem reproduzidas já implica, por si mesma, uma opção. Seguindo essa linha de raciocínio, mesmo nos textos narrativos e descritivos, a posição do autor – entenda-se: seu arcabouço ideológico - está  presente em maior ou em menor intensidade.

O segundo capítulo, bastante sintético, chama-se “Graus de complexidade das relações textuais”. Segundo o subtítulo, as ideias ali contidas foram apresentadas em 1981, em um evento da SBPC.
Nele, a autora parte do princípio de que, para se estudarem com adequação as relações intertextuais, é necessário levar em conta não apenas os enunciados produzidos, mas, sobretudo, a enunciação que os gerou.

Com base nessa premissa, prossegue Koch, podem ser identificados, entre os enunciados que se articulam para produzir um texto, dois tipos de relações: as lógicas ou semânticas e as denominadas paralógicas, discursivas ou pragmáticas.

Entre as primeiras, identificam-se as articulações presentes na conjunção, na disjunção, na equivalência; entre as segundas, os casos de concordância verbo-nominal; as relações fonológicas ou suprassegmentais, como a entonação, entre outras.

“As marcas linguísticas da argumentação” é o nome do terceiro e mais longo capítulo. Ele está dividido em nove tópicos que tratam, entre outros assuntos, do papel dos tempos verbais no discurso, da pressuposição, dos verbos performativos, das modalidades do discurso e, antes de encerrar, chega a fazer uma incursão pela retórica aplicada.

Entre os nove tópicos, encontram-se dois focados na temática central do livro, ou seja, a argumentação. No número cinco, estudam-se os operadores argumentativos, ocasião em que a autora procura valorizar o papel dos elementos de ligação interfrásiticos – caso de Ele quer ser até presidente ou de Ele quer ser pelo menos prefeito (p.105) – tratados com pouco destaque pelas gramáticas tradicionais.

Conclui a autora, na página 110, que tanto nas gramáticas, como no ensino de língua materna, tem-se dado maior ênfase ao estudo dos morfemas lexicais e dos gramaticais flexionais e derivacionais, relegando a um plano totalmente secundário os elementos aqui abordados, ou seja, os operadores argumentativos.

No tópico número oito, apresentado durante a realização do GEL, em maio de 1982, encontram-se reflexões sobre “Argumentação e autoridade polifônica”. Nele, Koch envereda, inicialmente, por esclarecimentos acerca do que vem a ser polifonia, citando, uma vez mais, o pensamento de Ducrot e fazendo menções a Perelman e a Vogt. Esclarece que esse conceito pode ser entendido como a incorporação feita, por um locutor, de asserções produzidas por outros locutores.

Alerta, entretanto, na página 143, que a polifonia não se restringe ao discurso relatado - seja direto ou indireto. Escreve ela que um enunciado passa a ter uma interpretação polifônica  se o ato ilocucionário de asserção for atribuído a um personagem diferente do locutor L, podendo, assim, o destinatário  desse ato ser diferente do alocutário e, até mesmo, ser identificado com o próprio locutor L.

No final desse tópico, a autora elenca algumas vantagens no uso  da autoridade polifônica na produção de um texto. De acordo com seu pensamento, esse recurso...

     evita o discurso autoritário;
        prevê os possíveis argumentos do interlocutor, reconhecendo-os como legítimos e incorporando-os à  própria argumentação;
    imprime maior poder de persuasão ao próprio discurso;

     Apresentadas no congresso da SBPC de julho de 1983,“Algumas reflexões sobre o ensino da leitura” compõem o capítulo quatro. Bastante sintético, suas três páginas (160-162) ratificam as posições defendidas hoje pelos estudiosos da linguagem, ou seja, nas salas de aula, devem ser desenvolvidas as competências relacionadas ao ato de ler: compreender mensagens - em todos os níveis que elas possam apresentar – articulá-las com outros textos, desenvolver o espírito crítico do aluno, abrir-lhe horizontes.

   No último capítulo, “Análise de textos”, a pesquisadora se debruça sobre o estudo de quatro publicações jornalísticas, empenhando-se em justificar o emprego dos recursos linguísticos feitos pelos autores dessas matérias. Tem lugar, então, o estudo dos tempos verbais, dos modalizadores, dos operadores argumentativos, das pressuposições entre outros assuntos.
   
      Finalizando...

     Facilmente se constata que o presente texto constitui uma demonstração bastante sintética do que pode ser encontrado nas páginas do trabalho de Ingedore Koch. Como em todos os demais estudos publicados por ela, Argumentação e Linguagem revela a presença de uma estudiosa competente, séria e inovadora. Com seu contato, o leitor tem sempre a aprender.

     A leitura do livro é, portanto, recomendada. Talvez seja conveniente, entretanto, restringir o espectro de quem irá lê-lo. Sem dúvida, ele interessa a estudantes de Letras, de Comunicação ou a quem tiver curiosidade pela área da linguagem. Mas o conteúdo não é de fácil compreensão. Por vezes, a autora desenvolve um raciocínio bastante abstrato cujo entendimento se torna árido mesmo para quem tem certa familiaridade com a área.

     De qualquer forma, enfim, é um rico material de consulta para quem respeita o espírito investigador da ciência, para quem gosta de refletir sobre os fenômenos linguísticos e para quem tem um raciocínio crítico suficientemente aguçado para questionar os postulados da tradição gramatical.

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