Certamente é um truísmo lembrar o
papel fundamental que a linguagem desempenha nas sociedades humanas. Assim, não foi aleatória a
afirmação de Bakhtin segundo a qual nossa vida se estrutura em torno de textos
que se alinhavam uns aos outros formando um infindável tecido.É igualmente um
truísmo dizer que, dentre todas as linguagens, a mais utilizada é a verbal.
Em decorrência dessas
constatações, vários estudos se desenvolveram na área. Eles abrangem desde o
exame da estrutura dos diversos códigos linguísticos – como se fez no
estruturalismo, por exemplo - até o modo como esses códigos se utilizam no dia
a dia – ocupação da pragmática, para citar um modelo teórico.
Um aspecto, entretanto, que
mereceria mais atenção e que tem sido pouco explorado pela linguística, diz
respeito às relações que se verificam entre linguagem e psicanálise. Em um
pequeno livro da Série Princípios, organizada pela editora Ática, Eliane de
Moura Castro procura abordar esse aspecto. Em Psicanálise e linguagem, a autora – que é professora no
departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Geais – aborda o filão, mas de um viés que, embora possa contribuir com a linguística, não o faz
com os mesmos olhos que seriam usados por algum cientista preocupado
especificamente com a linguagem verbal.
No início do volume, Castro
reporta-se com frequência à obra de Freud para mostrar como o uso da negação
revela aspectos do inconsciente humano. Uma frase como: O senhor pergunta quem pode ser essa pessoa no sonho. Não é a minha mãe,
dita por um paciente, pode revelar, na análise psicanalítica, o oposto do que indica a negação. Dessa forma, o não é a
minha mãe, pode mostrar que, na verdade, era a ela que o analisado se
referia.
Ainda seguindo os passos de
pensamento freudiano, Eliana de Moura Castro destaca a importância do ato falho
– a troca de uma palavra por outra - como índice de um fenômeno psíquico.
Conforme suas palavras, nesse caso, uma
determinada intenção consciente é perturbada por outra, não-consciente,
provocando, por exemplo, um lapso de linguagem, de leitura ou um esquecimento.(MOURA,
op.cit:10)
É do próprio Freud o exemplo: Um senhor que conversava com uma jovem sobre
como Berlim estava bonita devido aos preparativos para a Páscoa, comentou:
"Viu a loja Wertheim? Está toda decotada, oh, quis dizer decorada!". (apud: http://psicanalisenocotidiano.blogspot.com.br,
consultado em 8/0/2014)/
O conceito de polissemia é outra
associação feita entre a psicanálise e a linguística. Assim como na língua se
verificam vários casos polissêmicos1, nos estudos da psicologia
também ocorrem possibilidades de várias leituras de um mesmo fenômeno. A
univocidade, dizem os especialistas da área, ainda que possa aparecer em
determinados momentos logo é superada pela multiplicidade de interpretações. É
o que ocorre com a análise dos sonhos, cuja leitura é, por natureza,
multifacetada uma vez que aceita diversos novos pontos de vista.
Lacan que, como se sabe. fez uma
releitura da obra de Freud, é igualmente citado pela autora por fazer
referência ao papel da linguagem na vida humana. Para o cientista, o fato de
fazer uso da linguagem é que possibilita a existência do homem no mundo. Apontando
para a importância que ela possui também para a ciência psicanalítica, acrescenta: o inconsciente obedece a leis formais análogas às da lingüística (MOURA, op cit:
48).
Como se percebe, os analistas da
psique humana ressaltam o quão fundamental é a linguagem na vida do homem e o
quanto ela é, na mesma dimensão, fundamental para o desenvolvimento das tarefas
do psicólogo ou do psicanalista.. Oferecem, portanto, um
motivo a mais para que os linguistas dediquem-se com mais atenção ao exame de
como atua a linguagem em relação às ciências que focalizam o comportamento
humano .
_____________________
1 Considera-se polissêmica a palavra que, em
determinada fase da língua, possui mais
de um sentido. Cabo, por exemplo,
pode significar um acidente geográfico, parte de um objeto, patente militar
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