segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A linguagem nos estudos da psicanálise


Certamente é um truísmo lembrar o papel fundamental que a linguagem desempenha nas  sociedades humanas. Assim, não foi aleatória a afirmação de Bakhtin segundo a qual nossa vida se estrutura em torno de textos que se alinhavam uns aos outros formando um infindável tecido.É igualmente um truísmo dizer que, dentre todas as linguagens, a mais utilizada é a verbal.

Em decorrência dessas constatações, vários estudos se desenvolveram na área. Eles abrangem desde o exame da estrutura dos diversos códigos linguísticos – como se fez no estruturalismo, por exemplo - até o modo como esses códigos se utilizam no dia a dia – ocupação da pragmática, para citar um modelo teórico.

Um aspecto, entretanto, que mereceria mais atenção e que tem sido pouco explorado pela linguística, diz respeito às relações que se verificam entre linguagem e psicanálise. Em um pequeno livro da Série Princípios, organizada pela editora Ática, Eliane de Moura Castro procura abordar esse aspecto. Em Psicanálise e linguagem, a autora – que é professora no departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Geais – aborda o filão, mas de um viés que, embora possa contribuir com a linguística, não o faz com os mesmos olhos que seriam usados por algum cientista preocupado especificamente com a linguagem verbal.

No início do volume, Castro reporta-se com frequência à obra de Freud para mostrar como o uso da negação revela aspectos do inconsciente humano. Uma frase como: O senhor pergunta quem pode ser essa pessoa no sonho. Não é a minha mãe, dita por um paciente, pode revelar, na análise psicanalítica, o oposto do que indica a negação. Dessa forma, o não é a minha mãe, pode mostrar que, na verdade, era a ela que o analisado se referia.

Ainda seguindo os passos de pensamento freudiano, Eliana de Moura Castro destaca a importância do ato falho – a troca de uma palavra por outra - como índice de um fenômeno psíquico. Conforme suas palavras, nesse caso, uma determinada intenção consciente é perturbada por outra, não-consciente, provocando, por exemplo, um lapso de linguagem, de leitura ou um esquecimento.(MOURA, op.cit:10)

É do próprio Freud o exemplo: Um senhor que conversava com uma jovem sobre como Berlim estava bonita devido aos preparativos para a Páscoa, comentou: "Viu a loja Wertheim? Está toda decotada, oh, quis dizer decorada!". (apud: http://psicanalisenocotidiano.blogspot.com.br, consultado em 8/0/2014)/

O conceito de polissemia é outra associação feita entre a psicanálise e a linguística. Assim como na língua se verificam vários casos polissêmicos1, nos estudos da psicologia também ocorrem possibilidades de várias leituras de um mesmo fenômeno. A univocidade, dizem os especialistas da área, ainda que possa aparecer em determinados momentos logo é superada pela multiplicidade de interpretações. É o que ocorre com a análise dos sonhos, cuja leitura é, por natureza, multifacetada uma vez que aceita diversos novos pontos de vista.

Lacan que, como se sabe. fez uma releitura da obra de Freud, é igualmente citado pela autora por fazer referência ao papel da linguagem na vida humana. Para o cientista, o fato de fazer uso da linguagem é que possibilita a existência do homem no mundo. Apontando para a importância que ela possui também para a ciência psicanalítica, acrescenta: o inconsciente obedece a leis formais análogas às da lingüística (MOURA, op cit: 48).

Como se percebe, os analistas da psique humana ressaltam o quão fundamental é a linguagem na vida do homem e o quanto ela é, na mesma dimensão, fundamental para o desenvolvimento das tarefas do psicólogo ou do psicanalista.. Oferecem, portanto, um motivo a mais para que os linguistas dediquem-se com mais atenção ao exame de como atua a linguagem em relação às ciências que focalizam o comportamento humano .

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1  Considera-se polissêmica a palavra que, em determinada fase da língua,  possui mais de um sentido. Cabo, por exemplo, pode significar um acidente geográfico, parte de um objeto, patente militar

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