Argumentação e linguagem
Rápida incursão pelo livro de Ingedore Koch
Apresentação
Lançada
pela Editora Cortez, o livro não é novo. A quinta edição, que tenho em mãos,
data de 1999. As obras de Koch, entretanto, sempre merecem atenção. Não há quem
não veja a autora como estudiosa séria, uma referência quando se trata de
estudos sobre a linguagem.
Argumentação
e linguagem apresenta
prefácio de Luís Antônio Marcuschi e seus capítulos têm, entre si, um
denominador comum: todos tratam, evidentemente, da linguagem. Não se estruturam,
entretanto, em torno de um único tópico. Como a autora esclarece na página 18
da nota introdutória, as ideias que se encontram no volume constituem
releituras de comunicações apresentadas em congressos, artigos publicados em
revistas especializadas e capítulos da tese de doutorado, defendida por
ela.
O
conteúdo
Segundo
suas palavras. o objetivo final da publicação é colaborar com o aprimoramento
da leitura e da produção de textos em língua portuguesa. Para tanto, organizou
o livro em cinco capítulos.
O
primeiro recebe o nome de “Discurso e argumentação” e sente-se, ali, forte
influência das ideias de Carlos Vogt e de Oswald Ducrot. Nele, a pesquisadora
destaca a presença marcante da orientação argumentativa da linguagem, afirmando
que, a todo enunciado, subjaz uma
ideologia Partindo, portanto, do princípio de que a argumentação é uma
atividade intrínseca ao ato da fala, Koch sustenta a tese de que o raciocínio
argumentativo é um fator fundamental não apenas à coesão como também à
coerência textual.
Aceito
esse postulado, não se justifica distinguir – como fazem os estudos
tradicionais - textos argumentativos de dissertativos, uma vez que tal
diferença levaria a eliminar, da dissertação, o posicionamento pessoal, devendo
esse tipo de texto ficar restrito a uma mera exposição de conhecimentos.
Entretanto, escreve a autora nas páginas 19/20, a simples seleção das
opiniões a serem reproduzidas já implica, por si mesma, uma opção. Seguindo
essa linha de raciocínio, mesmo nos textos narrativos e descritivos, a posição
do autor – entenda-se: seu arcabouço ideológico - está presente em maior ou em menor intensidade.
O
segundo capítulo, bastante sintético, chama-se “Graus de complexidade das
relações textuais”. Segundo o subtítulo, as ideias ali contidas foram
apresentadas em 1981, em um evento da SBPC.
Nele,
a autora parte do princípio de que, para se estudarem com adequação as relações
intertextuais, é necessário levar em conta não apenas os enunciados produzidos,
mas, sobretudo, a enunciação que os gerou.
Com
base nessa premissa, prossegue Koch, podem ser identificados, entre os
enunciados que se articulam para produzir um texto, dois tipos de relações: as lógicas
ou semânticas e as denominadas paralógicas, discursivas ou
pragmáticas.
Entre
as primeiras, identificam-se as articulações presentes na conjunção, na
disjunção, na equivalência; entre as segundas, os casos de concordância
verbo-nominal; as relações fonológicas ou suprassegmentais, como a entonação,
entre outras.
“As
marcas linguísticas da argumentação” é o nome do terceiro e mais longo
capítulo. Ele está dividido em nove tópicos que tratam, entre outros assuntos, do
papel dos tempos verbais no discurso, da pressuposição, dos verbos
performativos, das modalidades do discurso e, antes de encerrar, chega a fazer
uma incursão pela retórica aplicada.
Entre
os nove tópicos, encontram-se dois focados na temática central do livro, ou
seja, a argumentação. No número cinco, estudam-se os operadores argumentativos,
ocasião em que a autora procura valorizar o papel dos elementos de ligação
interfrásiticos – caso de Ele quer ser até presidente ou de Ele
quer ser pelo menos prefeito (p.105) – tratados com pouco destaque
pelas gramáticas tradicionais.
Conclui
a autora, na página 110, que tanto nas gramáticas, como no ensino de língua
materna, tem-se dado maior ênfase ao estudo dos morfemas lexicais e dos
gramaticais flexionais e derivacionais, relegando a um plano totalmente
secundário os elementos aqui abordados, ou seja, os operadores argumentativos.
No
tópico número oito, apresentado durante a realização do GEL, em maio de 1982, encontram-se
reflexões sobre “Argumentação e autoridade polifônica”. Nele, Koch envereda,
inicialmente, por esclarecimentos acerca do que vem a ser polifonia, citando,
uma vez mais, o pensamento de Ducrot e fazendo menções a Perelman e a Vogt.
Esclarece que esse conceito pode ser entendido como a incorporação feita, por um
locutor, de asserções produzidas por outros locutores.
Alerta,
entretanto, na página 143, que a polifonia não se restringe ao discurso
relatado - seja direto ou indireto. Escreve ela que um enunciado passa a ter
uma interpretação polifônica se o
ato ilocucionário de asserção for atribuído a um personagem diferente do
locutor L, podendo, assim, o destinatário desse ato ser diferente do alocutário e,
até mesmo, ser identificado com o próprio locutor L.
No
final desse tópico, a autora elenca algumas vantagens no uso da autoridade polifônica na produção de um
texto. De acordo com seu pensamento, esse recurso...
evita o discurso autoritário;
prevê os possíveis argumentos do interlocutor,
reconhecendo-os como legítimos e incorporando-os à própria argumentação;
imprime maior poder de persuasão ao próprio
discurso;
Apresentadas no congresso da SBPC de julho de
1983,“Algumas reflexões sobre o ensino da leitura” compõem o capítulo quatro.
Bastante sintético, suas três páginas (160-162) ratificam as posições
defendidas hoje pelos estudiosos da linguagem, ou seja, nas salas de aula,
devem ser desenvolvidas as competências relacionadas ao ato de ler: compreender
mensagens - em todos os níveis que elas possam apresentar – articulá-las com
outros textos, desenvolver o espírito crítico do aluno, abrir-lhe horizontes.
No último capítulo, “Análise de textos”, a
pesquisadora se debruça sobre o estudo de quatro publicações jornalísticas,
empenhando-se em justificar o emprego dos recursos linguísticos feitos pelos autores
dessas matérias. Tem lugar, então, o estudo dos tempos verbais, dos
modalizadores, dos operadores argumentativos, das pressuposições entre outros assuntos.
Finalizando...
Facilmente se constata que o presente texto
constitui uma demonstração bastante sintética do que pode ser encontrado nas
páginas do trabalho de Ingedore Koch. Como em todos os demais estudos
publicados por ela, Argumentação e Linguagem revela a presença de uma
estudiosa competente, séria e inovadora. Com seu contato, o leitor tem sempre a
aprender.
A leitura do livro é, portanto, recomendada.
Talvez seja conveniente, entretanto, restringir o espectro de quem irá lê-lo.
Sem dúvida, ele interessa a estudantes de Letras, de Comunicação ou a quem tiver
curiosidade pela área da linguagem. Mas o conteúdo não é de fácil compreensão. Por
vezes, a autora desenvolve um raciocínio bastante abstrato cujo entendimento se
torna árido mesmo para quem tem certa familiaridade com a área.
De qualquer forma, enfim, é um rico material
de consulta para quem respeita o espírito investigador da ciência, para quem
gosta de refletir sobre os fenômenos linguísticos e para quem tem um raciocínio
crítico suficientemente aguçado para questionar os postulados da tradição
gramatical.
.