Oswald Ducrot é um linguista francês nascido em 1932, ligado à Escola de Estudos Superiores em Ciências Sociais (École des Hautes Études en Sciences Sociales) de Paris. O que o vincula à linguística é o fato de ele ter desenvolvido, com Jean-Claude Anscombre, a Semântica da Enunciação, uma teoria pertencente às chamadas linguísticas enunciativas, ou seja, aquelas que não priorizam os estudos da língua por ela mesma, como fazem as abordagens tradicionais ou as que se agrupam em torno do estruturalismo.
Para as linguísticas enunciativas, o que vale é focalizar a língua como forma de interlocução. Segundo Ducrot / Anscombre, a finalidade essencial do ato comunicativo é argumentar: os interlocutores se servem do código linguístico para expor sua visão de mundo, para buscar convencer o outro da justeza de suas posições.
A fim de estudar esse papel da língua, o pesquisador deve considerar não apenas o posto, aquilo que se transmite pela superfície da linguagem, mas também o que está pressuposto e o que está subentendido.
Pense em um contexto no qual se verifique um diálogo como:
L1: E a Ana? Como vai?
L2: Continua bonita!
o verbo continua faz pressupor que Ana sempre foi bonita. Entretanto, se substituirmos essa forma verbal por ficou, fazendo surgir Ana ficou bonita, somos levados a interpretar a frase como: “Ana não era bonita” ou “Ana não era nem feia nem bonita”.
Conheça outros exemplos em que se trabalha com a pressuposição:
a. Artur deixou de beber.
b. Só falta João para a festa começar.
c. No fim de semana, o tempo permanecerá nublado.
Repare que, em todos esses casos, há um elemento linguístico (continua, ficou, deixou, só falta, permanecerá) que desencadeia uma interpretação que, mesmo não expressa no texto, é compreendida pelo interlocutor.
Outro recurso não explícito de que o enunciador pode se servir para expor seu pensamento e, em última instância, defender suas idéias, é o do subentendido. Nesse caso, não se encontram marcas linguísticas que desencadeiam novas leituras. A compreensão da mensagem se processa graças a um conhecimento de mundo partilhado entre enunciador e enunciatário. Por isso dizemos que os subentendidos sempre revelam os valores de uma determinada sociedade.
Veja: suponha um pai que conversa com o filho de baixo rendimento escolar. Quando ele diz: Que beleza! O Fernandinho passou de ano sem ter de fazer exames! sem dúvida está insinuando que o outro aproveita adequadamente os ensinamentos desenvolvidos pela escola, o que não ocorre com seu filho.
Fato semelhante acontece quando uma pessoa, ao entrar em uma sala, exclama: Que calor! Se as janelas do lugar estiverem fechadas, é natural que alguém se prontifique a abri-las, evitando assim que observações do tipo se repitam. O pedido, entretanto, não foi explicitado.
Os subentendidos revelam, como já foi dito, visões de mundo de um determinado grupo da sociedade. Quando alguém diz, por exemplo, à semelhança de Luís Fernando Veríssimo: Espero que você se case e seja feliz...que dizer: uma coisa ou outra, está refletindo uma visão social – bem humorada, mas negativa - do casamento. Tal concepção não está presente na frase, mas quem participa do ato enunciativo onde ela foi pronunciada certamente compreenderá o que o falante está insinuando.
Portanto, ao estudioso da semântica da enunciação, não interessa apenas o que está explícito, posto no enunciado do usuário da língua, mas também – e sobretudo - o que está pressuposto e subentendido, ou seja, o que está implícito.
As idéias de Ducrot acerca do assunto podem ser conhecidas em O dizer e o dito, publicação da editora Pontes, Campinas, em 1987. Para uma abordagem mais acessível que a do lingüista francês, mas mais completa do que a exposta nesta página, ver Para entender o texto:leitura e redação de Platão e Fiorin (São Paulo: Ática. 2008).
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