terça-feira, 12 de agosto de 2014

Falas masculinas / falas femininas



O objeto de estudo da sociolinguística é amplo e variado. Como são inúmeras as células sociais, muitos fenômenos podem ser observados: a fala dos garis, dos pescadores, dos médicos, de estudantes de escolas públicas, de crianças de classes médias entre vários outros.

Um aspecto que no Brasil não tem sido muito analisado, mas que pode levar a conclusões curiosas é a diferença existente entre a fala dos homens e a das mulheres.

Para que se possa ter uma ideia do desapreço que os brasileiros têm pelo tema, basta observar as referências bibliográficas de um pequeno livro publicado pela editora Ática (série “Princípios”): o Linguagem e sexo. Trata-se de um rápido estudo de Malcolm Coulthard – um professor inglês dedicado ao estudo da linguística forense – sobre o assunto. Ainda que o livro se limite a tangenciar as questões das falas masculinas e femininas, a bibliografia é bastante diversificada. No entanto, entre os vários títulos citados pelo autor, as fontes em língua portuguesa se limitam a duas ou três, provando que muito há a ser feito, na área, pelos pesquisadores brasileiros.

O campo de estudo, entretanto, pode ser mais explorado mesmo em países que conferem, à pesquisa, uma importância maior que o nosso. Segundo Coulthard, faltam pesquisas que se dediquem, por exemplo, a verificar quais os meios verbais e os não verbais que homossexuais e travestis usam para marcar sua “feminilidade”. (1991:16)

E conclui:
Infelizmente ainda não existe uma pesquisa sólida nessa área, embora Sally McConnell-Ginet se refira ao fato de que nos Estados Unidos “transexuais procurem treinamento em linguagem feminina”.

Na verdade, os trabalhos publicados sobre o assunto merecem uma releitura, pois é preciso admitir que a posição social da mulher se alterou significativamente nas últimas décadas e que escolhas temáticas e lexicais que antes definiam com precisão a presença de um homem ou de uma mulher nos diálogos hoje se encontram alteradas.

Pesquisas realizadas em meados do século passado, por exemplo, mostravam que as conversas femininas giravam em torno das preocupações referentes a seu universo de então: filhos, marido, enfim, vida doméstica. O vocabulário empregado evitava os termos chulos, pesados, na época, circunscritos às manifestações masculinas.

Nora Galli de’ Paratesi desenvolveu, na década de 60, um trabalho em que, ao examinar as relações entre as mulheres e a linguagem utilizada, constatou a forte presença de eufemismos, figura de linguagem cuja função é, como se sabe, atenuar as ideias expressas. Entretanto, ao abordar novamente o assunto em um capítulo do livro Falas masculinas, falas femininas? Sexo e linguagem (editora Brasiliense), publicado em 1991, reconheceu que suas observações deveriam ser repensadas, pois dificilmente um autor terá assistido a uma mudança tão radical num lapso de tempo tão curto (op.cit.: 63). O novo panorama a forçou, após o exíguo período de quinze anos, a reconsiderar praticamente tudo que havia escrito (id.ibid.) até então.

As alterações ocorridas nos países ocidentais nas últimas décadas mudaram a posição da mulher no que diz respeito a seu lugar no mundo e à linguagem que ela emprega para se comunicar. Assim, se as gírias ou os chamados “palavrões” há alguns anos inexistiam nas falas femininas, hoje eles são tão frequentes quanto nas falas masculinas.

Não obstante essa evidência, estudos da área parecem ser unânimes em mostrar (Coulthard, op cit.: 45) que ainda se constatam distinções entre as duas formas de falar. Ao exemplificar sua posição, o autor indica que a linguagem dos homens e dos meninos se afasta mais da linguagem padrão do que aquela empregada pelas mulheres e meninas. Coulthard faz referência às conclusões de um estudo realizado em Reading, Inglaterra, segundo as quais

as meninas “más”, aquelas cujo comportamento era mais parecido com o dos meninos, tinham uma gramática não padrão mais próxima à dos meninos do que a das “boas”meninas.

Constata-se, portanto, que as diferenças entre as falas masculinas e femininas não se limita à altura da voz1 – mais alta nas mulheres; mais baixa nos homens – mas abrange muitas outras variáveis, que englobam a fonologia, os tópicos selecionados para as conversas, o estilo na interação conversacional, assuntos à espera de novos estudos que ratifiquem ou que alterem as parcas conclusões já existentes sobre o tema  no Brasil.

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1  A diferença na altura das vozes dos homens e das mulheres está associada à frequência, uma grandeza física. A noção de frequência, na fala, relaciona-se ao número de vezes em que as cordas vocais vibram por segundo e ao comprimento dessas cordas: quanto mais curtas, mais rapidamente elas vibram e mais alta é a altura percebida. Como as cordas vocais femininas são mais curtas que as masculinas, vibram mais rapidamente, produzindo sons mais altos. Evidentemente o inverso ocorre com a fala masculina.

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