O objeto de estudo da sociolinguística é amplo e variado. Como são inúmeras as células sociais, muitos fenômenos podem
ser observados: a fala dos garis, dos pescadores, dos médicos, de estudantes de
escolas públicas, de crianças de classes médias entre vários outros.
Um aspecto que no Brasil não tem sido muito
analisado, mas que pode levar a conclusões curiosas é a diferença existente
entre a fala dos homens e a das mulheres.
Para que se possa ter uma ideia do desapreço
que os brasileiros têm pelo tema, basta observar as referências bibliográficas
de um pequeno livro publicado pela editora Ática (série “Princípios”): o Linguagem e sexo. Trata-se de um rápido
estudo de Malcolm Coulthard – um professor inglês dedicado ao estudo da
linguística forense – sobre o assunto. Ainda que o livro se limite a tangenciar
as questões das falas masculinas e femininas, a bibliografia é bastante
diversificada. No entanto, entre os vários títulos citados pelo autor, as
fontes em língua portuguesa se limitam a duas ou três, provando que muito há a
ser feito, na área, pelos pesquisadores brasileiros.
O campo de estudo, entretanto, pode ser mais
explorado mesmo em países que conferem, à pesquisa, uma importância maior que o
nosso. Segundo Coulthard, faltam pesquisas que se dediquem, por exemplo, a verificar quais os meios verbais e os não
verbais que homossexuais e travestis usam para marcar sua “feminilidade”. (1991:16)
E conclui:
Infelizmente
ainda não existe uma pesquisa sólida nessa área, embora Sally McConnell-Ginet
se refira ao fato de que nos Estados Unidos “transexuais procurem treinamento
em linguagem feminina”.
Na verdade, os trabalhos publicados sobre o
assunto merecem uma releitura, pois é preciso admitir que a posição social da
mulher se alterou significativamente nas últimas décadas e que escolhas
temáticas e lexicais que antes definiam com precisão a presença de um homem ou
de uma mulher nos diálogos hoje se encontram alteradas.
Pesquisas realizadas em meados do século
passado, por exemplo, mostravam que as conversas femininas giravam em torno das
preocupações referentes a seu universo de então: filhos, marido, enfim, vida
doméstica. O vocabulário empregado evitava os termos chulos, pesados, na época,
circunscritos às manifestações masculinas.
Nora Galli de’ Paratesi desenvolveu, na década
de 60, um trabalho em que, ao examinar as relações entre as mulheres e a linguagem
utilizada, constatou a forte presença de eufemismos, figura de linguagem cuja
função é, como se sabe, atenuar as ideias expressas. Entretanto, ao abordar
novamente o assunto em um capítulo do livro Falas
masculinas, falas femininas? Sexo e linguagem (editora Brasiliense), publicado em 1991, reconheceu que suas
observações deveriam ser repensadas, pois dificilmente
um autor terá assistido a uma mudança tão radical num lapso de tempo tão curto
(op.cit.: 63). O novo panorama a forçou, após o exíguo período de quinze anos, a reconsiderar praticamente tudo que havia
escrito (id.ibid.) até então.
As alterações ocorridas nos países ocidentais
nas últimas décadas mudaram a posição da mulher no que diz respeito a seu lugar
no mundo e à linguagem que ela emprega para se comunicar. Assim, se as gírias
ou os chamados “palavrões” há alguns anos inexistiam nas falas femininas, hoje
eles são tão frequentes quanto nas falas masculinas.
Não obstante essa evidência, estudos da área
parecem ser unânimes em mostrar (Coulthard, op cit.: 45) que ainda se constatam
distinções entre as duas formas de falar. Ao exemplificar sua posição, o autor
indica que a linguagem dos homens e dos meninos se afasta mais da linguagem
padrão do que aquela empregada pelas mulheres e meninas. Coulthard faz
referência às conclusões de um estudo realizado em Reading, Inglaterra, segundo
as quais
as meninas “más”, aquelas cujo comportamento
era mais parecido com o dos meninos, tinham uma gramática não padrão mais
próxima à dos meninos do que a das “boas”meninas.
Constata-se, portanto, que as diferenças entre
as falas masculinas e femininas não se limita à altura da voz1 –
mais alta nas mulheres; mais baixa nos homens – mas abrange muitas outras
variáveis, que englobam a fonologia, os tópicos selecionados para as conversas,
o estilo na interação conversacional, assuntos à espera de novos estudos que
ratifiquem ou que alterem as parcas conclusões já existentes sobre o tema no Brasil.
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1
A diferença na altura das vozes dos homens e
das mulheres está associada à frequência,
uma grandeza física. A noção de frequência, na fala, relaciona-se ao número de vezes em que as cordas vocais vibram por
segundo e ao comprimento dessas cordas: quanto mais curtas, mais rapidamente
elas vibram e mais alta é a altura percebida. Como as cordas vocais femininas
são mais curtas que as masculinas, vibram mais rapidamente, produzindo sons
mais altos. Evidentemente o inverso ocorre com a fala masculina.
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