segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Abrindo uma trilha para a semiótica greimasiana





Assim como ocorre com as outras ciências, a semiótica apresenta várias correntes de pensamento. Em seu livro Teoria Semiótica do Texto (2000), publicado pela editora Ática, Diana Luz P. de Barros refere-se a apenas  três delas: à encabeçada pelo norte-americano Charles Sanders Peirce; à criada pelo lingüista lituano de origem russa, Julian Algirdas Griemas, e à difundida pela  Escola de Tartu, na Estônia, fundada por  Yuri Mikhailovich Lotman, um semioticista que analisa as manifestações culturais humanas como um texto

O propósito de Barros é tratar da semiótica do texto, particularmente aquela proposta por Greimas. A seu ver, os estudos semióticos estão associados à semântica, que foi, durante a primeira metade do século passado, a parente pobre da lingüística (2000: 6). A autora menciona a semântica lexical ou estudo da palavra isolada e a semântica estrutural, que teve o mérito de propor o exame do sentido baseado em princípios e métodos, afastando-o de uma abordagem aleatória Lembra ainda que os estudos semânticos apenas alçaram voo quando se  romperam as barreiras entre a frase e o texto, passando-se a valorizar este último. Ou seja: a palavra ou a frase deixaram de ser consideradas unidades de sentido, cedendo espaço para o estudo do texto.

O objetivo da semiótica greimasiana é, então, descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que diz. Por exemplo, a leitura da poesia transcrita abaixo - História de uma gata leva à conclusão de que se destaca ali o contraste entre liberdade e opressão. Cabe à semiótica, de acordo com Greimas, descobrir quais recursos foram empregados pelo autor para que os leitores chegassem a essa conclusão.

Ao tratar do modo como podem ser estudados os textos, Barros assinala que o pesquisador tem a possibilidade de vê-los como um objeto de significação e como um objeto de comunicação.  No primeiro caso, é feita sua análise interna ou estrutural, quer dizer, é focalizado o modo como ele se organiza. No segundo, o texto é concebido como um objeto cultural, inserido em uma sociedade diversificada e influenciado por determinadas formações ideológicas. Deve, pois, ser examinado  em relação ao contexto sócio-histórico que o produz.

É importante lembrar que qualquer texto – verbal ou não-verbal - é objeto de estudo da semiótica. Seguindo as idéias do lingüista dinamarquês Louis Hjelmslev, os semioticistas devem abstrair as diferenças da expressão, que seria a parte superficial dos textos, e deter-se apenas no plano do conteúdo.

Para analisar uma produção textual, a semiótica greimasiana constrói um percurso gerativo do sentido que parte do nível mais simples e abstrato e chega ao mais complexo. Esse é o nível fundamental, onde se verifica uma oposição semântica mínima; No exemplo citado: liberdade x opressão. Mas, em outros textos, poderia ser natureza x cultura ou vida x morte.

Em um segundo patamar, verifica-se o nível das estruturas narrativas. Nele se instalam sujeitos e objetos que se relacionam entre si, indicando estados de conjunção ou de disjunção. No poema abaixo, aparece inicialmente um sujeito - a gata - ligada à opressão e afastada da liberdade. Essas relações se alteram, entretanto, à medida que a trama se desenrola e o sujeito gata – afasta-se da opressão para, seguindo seus amigos gatos, ligar-se à liberdade.

O terceiro nível é o do discurso ou das estruturas discursivas, quando se revelam os modos como são concretizadas as situações latentes no texto, a maneira como se estabelecem os vínculos entre o enunciador e aquele que recebe a enunciação, ou seja, o enunciatário.

A fim de concretizar os princípios da teoria semiotica greimasiana, Barros analisa uma série de textos. O primeiro deles enfoca um excerto de Os saltinbancos.


História de uma gata

Me alimentaram
me acariciaram
me aliciaram
me acostumaram.
O meu mundo era o apartamento.
Detefon, almofada e trato
todo dia filé-mignon
ou mesmo um bom filé de...gato.
me diziam, todo momento:
Fique em casa, não tome vento.
Mas é duro ficar na sua
quando à luz da lua
tantos gatos pela rua
toda noite vão cantando assim:
Nós, gatos, já nascemos pobres
porém, já nascemos livres.
Senhor, senhora, senhorio,
Felino, não reconhecerás.
De manhã eu voltei pra casa
fui barrada na portaria,
sem filé nem almofada
por causa da cantoria.
Mas agora o meu dia a dia
é no meio da gataria
pela rua virando lata
eu sou mais eu, gata
numa louca serenata
que de noite sai cantando assim:
Nós, gatos, já nascemos pobres
porém, já nascemos livres.
Senhor, senhora, senhorio,
Felino, não reconhecerás.

Luiz Henríquez, Sérgio Bardotti e Chico Buarque de Hollanda.


Conforme ficou registrado acima, ali se verificam, como oposição fundamental, os valores liberdade x dominação, sendo que à liberdade atribui-se uma conotação positiva –eufórica – enquanto à opressão, u valor  negativo - disfórico).

Nas estruturas narrativas, instala-se o sujeito gata, manipulada por outro sujeito, o dono. Essa manipulação ocorre por meio de uma tentação, pois lhe é oferecida casa, proteção, carinho, o que a faz feliz. No decorrer da história, entretanto, aparecem outros sujeitos, com novos valores, que também a tentam. Ela rompe então o acordo com o dono e firma outro contrato com seus novos amigos.

No terceiro nível, o das estruturas discursivas, deve-se proceder a uma análise do modo como o percurso mostrado até então se concretiza. Observa-se, por exemplo, que o pronome empregado é o de primeira pessoa – eu – o que confere ao texto, um efeito de subjetividade.
           
Os dados apresentados aqui são extremamente sintáticos. Para aprofundamento do assunto, recomenda-se a leitura do livro citado, que poder ser complementada pelo escrito por José Luiz Fiorin: Elementos de Análise do Discurso e publicado pela editora Contexto.


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