Assim
como ocorre com as outras ciências, a semiótica apresenta várias correntes de
pensamento. Em seu livro Teoria Semiótica
do Texto (2000), publicado pela
editora Ática, Diana Luz P. de Barros refere-se a apenas três delas: à encabeçada pelo norte-americano
Charles Sanders Peirce; à criada pelo lingüista lituano de origem russa, Julian
Algirdas Griemas, e à difundida pela Escola de Tartu, na Estônia, fundada por Yuri
Mikhailovich Lotman, um semioticista que
analisa as manifestações culturais humanas como um texto
O
propósito de Barros é tratar da semiótica do texto, particularmente aquela proposta
por Greimas. A seu ver, os estudos semióticos estão associados à semântica, que
foi, durante a primeira metade do século
passado, a parente pobre da lingüística (2000: 6). A autora menciona a semântica
lexical ou estudo da palavra isolada e a semântica estrutural, que
teve o mérito de propor o exame do sentido baseado em princípios e métodos,
afastando-o de uma abordagem aleatória Lembra ainda que os estudos semânticos
apenas alçaram voo quando se romperam as
barreiras entre a frase e o texto, passando-se a valorizar este último. Ou
seja: a palavra ou a frase deixaram de ser consideradas unidades de sentido,
cedendo espaço para o estudo do texto.
O objetivo da semiótica greimasiana é, então, descrever e explicar o que o texto diz e como ele faz para dizer o que
diz. Por exemplo, a leitura da poesia transcrita abaixo - História de uma gata – leva à conclusão de que se destaca ali
o contraste entre liberdade e opressão. Cabe à semiótica, de acordo com Greimas,
descobrir quais recursos foram empregados pelo autor para que os leitores
chegassem a essa conclusão.
Ao
tratar do modo como podem ser estudados os textos, Barros assinala que o
pesquisador tem a possibilidade de vê-los como um objeto de significação
e como um objeto de comunicação. No
primeiro caso, é feita sua análise interna ou estrutural, quer dizer, é
focalizado o modo como ele se organiza. No segundo, o texto é concebido como um
objeto cultural, inserido em uma sociedade diversificada e influenciado por determinadas
formações ideológicas. Deve, pois, ser examinado em relação ao contexto sócio-histórico que o
produz.
É
importante lembrar que qualquer texto – verbal ou não-verbal - é objeto de
estudo da semiótica. Seguindo as idéias do lingüista dinamarquês Louis Hjelmslev,
os semioticistas devem abstrair as diferenças da expressão, que seria a parte
superficial dos textos, e deter-se apenas no plano do conteúdo.
Para
analisar uma produção textual, a semiótica greimasiana constrói um percurso
gerativo do sentido que parte do nível mais simples e abstrato e chega ao mais
complexo. Esse é o nível fundamental, onde se verifica uma oposição
semântica mínima; No exemplo citado: liberdade
x opressão. Mas, em outros
textos, poderia ser natureza x cultura ou vida x morte.
Em
um segundo patamar, verifica-se o nível das estruturas narrativas. Nele
se instalam sujeitos e objetos que se relacionam entre si, indicando estados de
conjunção ou de disjunção. No poema abaixo, aparece inicialmente um sujeito - a
gata - ligada à opressão e afastada da liberdade. Essas relações se alteram,
entretanto, à medida que a trama se desenrola e o sujeito gata – afasta-se da opressão para, seguindo seus amigos gatos,
ligar-se à liberdade.
O
terceiro nível é o do discurso ou das estruturas discursivas, quando
se revelam os modos como são concretizadas as situações latentes no texto, a
maneira como se estabelecem os vínculos entre o enunciador e aquele que recebe
a enunciação, ou seja, o enunciatário.
A
fim de concretizar os princípios da teoria semiotica greimasiana, Barros analisa
uma série de textos. O primeiro deles enfoca um excerto de Os saltinbancos.
História de
uma gata
Me alimentaram
me acariciaram
me aliciaram
me acostumaram.
O meu mundo era o
apartamento.
Detefon, almofada e trato
todo dia filé-mignon
ou mesmo um bom filé
de...gato.
me diziam, todo momento:
Fique em casa, não tome
vento.
Mas é duro ficar na sua
quando à luz da lua
tantos gatos pela rua
toda noite vão cantando assim:
Nós, gatos, já nascemos
pobres
porém, já nascemos livres.
Senhor, senhora, senhorio,
Felino, não reconhecerás.
De manhã eu voltei pra casa
fui barrada na portaria,
sem filé nem almofada
por causa da cantoria.
Mas agora o meu dia a dia
é no meio da gataria
pela rua virando lata
eu sou mais eu, gata
numa louca serenata
que de noite sai cantando
assim:
Nós, gatos, já nascemos
pobres
porém, já nascemos livres.
Senhor, senhora, senhorio,
Felino, não reconhecerás.
Luiz Henríquez, Sérgio Bardotti
e Chico Buarque de Hollanda.
Conforme
ficou registrado acima, ali se verificam, como oposição fundamental, os valores
liberdade x dominação, sendo que à liberdade atribui-se uma conotação positiva
–eufórica – enquanto à opressão, u valor negativo - disfórico).
Nas
estruturas narrativas, instala-se o sujeito gata,
manipulada por outro sujeito, o dono.
Essa manipulação ocorre por meio de uma tentação, pois lhe é oferecida casa,
proteção, carinho, o que a faz feliz. No decorrer da história, entretanto, aparecem
outros sujeitos, com novos valores, que também a tentam. Ela rompe então o
acordo com o dono e firma outro contrato com seus novos amigos.
No
terceiro nível, o das estruturas discursivas, deve-se proceder a uma análise do
modo como o percurso mostrado até então se concretiza. Observa-se, por exemplo,
que o pronome empregado é o de primeira pessoa – eu – o que confere ao texto, um efeito de subjetividade.
Os
dados apresentados aqui são extremamente sintáticos. Para aprofundamento do
assunto, recomenda-se a leitura do livro citado, que poder ser complementada
pelo escrito por José Luiz Fiorin: Elementos
de Análise do Discurso e publicado pela editora Contexto.
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