quarta-feira, 30 de julho de 2014

Para ouvir falar na obra de Peirce

Maria Lúcia Santaella é uma professora universitária especialista em semiótica. Quando escreveu O que é semiótica para a editora Brasiliense, ela se propôs oferecer um panorama dos estudos realizados na área. Nas páginas do livro, trata rapidamente do papel da semiótica – que, a seu ver, possui um campo vasto, mas não indefinido –, faz referência aos trabalhos dos russos, como Marr, Bakhtin, Iuri Lotmann, e ao pensamento de Saussure.
Seu objetivo maior, no entanto, é focalizar a teoria semiótica de Pierce (1839 – 1914). A tarefa é, como a autora reconhece, bastante árdua, pois o pensamento de Charles Sanders Perice é muito complexo e não aceita ser sintetizado em algumas páginas. De qualquer forma, Santaella apresenta uma introdução às propostas do pesquisador americano e abre portas a quem se interessa por aprofundar os conhecimentos.
Segundo a autora, Peirce era, antes de tudo, um cientista interessado em várias áreas do conhecimento. Filho de um renomado matemático de Harvard, o chamado Leonardo Da Vinci da modernidade formou-se em química pela universidade em que o pai trabalhava, mas era estudioso consciencioso de outros campos do saber como física, matemática, astronomia, biologia, geologia. Na área das ciências humanas, conhecia linguística, filologia, história, literatura, arquitetura e suas contribuições à psicologia tornaram-no o primeiro psicólogo experimental dos Estados Unidos da América. Todos esses interesses eram costurados por um fio condutor: a lógica
Complementa Santaella (1983: 22):
A quase inacreditável diversidade de campos a que se dedicou pode ser explicada, portanto, pelo fato de que se devotar ao estudo das mais diversas ciências [...] era para ele um modo de se dedicar à lógica. Seu interesse na lógica era, primariamente, um interesse na lógica das ciências.
A professora acata o consenso segundo o qual a semiótica peirceana – ao contrário daquela desenvolvida por Greimas - não possui interesse prático. Ela foi concebida a partir de um raciocínio abstrato e não apresenta vieses de ciência aplicada. A pretensão de Peirce, ao elaborar a teoria, foi criar conceitos gerais de signos que seriam capazes de servir de base a qualquer ciência aplicada.
Ele acreditava que todas as ações do ser humano – produção, realização, expressão – pertencem à área da semiótica, ou seja, à ciência dos signos. Esta, entretanto, não é onipotente, mas apenas parte de um conjunto mais amplo: o filosófico, também subordinado a um sistema mais abrangente que revela uma gigantesca arquitetura classificatórica das ciências (op.cit.: 30).
Peirce via como necessária uma teoria que focalizasse todas as espécies de signo, tarefa ampla, que deveria ser assumida por um grupo de pesquisadores o que, de acordo com Santaella, não ocorreu, uma vez que poucos estudiosos seguiram a ambição peirceana no que diz respeito ao estudo dos signos.
Segundo a proposta do cientista norte-americano, deveriam ser considerados, inicialmente, os signos que não fizessem referência à mente humana. A ideia causou impacto na época, pois, até então, o conceito de signo sempre fora associado ao cérebro do homem.1 Mas, se foi revolucionária quando apresentada, acabou se incorporando aos avanços tecnológicos e não pode mais ser vista como algo excêntrico. Para tanto, basta lembrar que a comunicação entre as máquinas se processa sem qualquer referência à consciência humana. E, no dizer de Santaella (op.cit.: 76):
Isso, para não mencionarmos as descobertas da biologia, que estenderam a noção de signo (linguagem e informação) para o campo das configurações celulares.
___________________________
1 Por exemplo, quando alguém ouve a palavra mesa, compreende seu significado porque tem, em sua mente, um conceito do que é uma mesa.


Vanda Bartalini Baruffaldi

Nenhum comentário:

Postar um comentário