quarta-feira, 30 de julho de 2014

Para ouvir falar na obra de Peirce

Maria Lúcia Santaella é uma professora universitária especialista em semiótica. Quando escreveu O que é semiótica para a editora Brasiliense, ela se propôs oferecer um panorama dos estudos realizados na área. Nas páginas do livro, trata rapidamente do papel da semiótica – que, a seu ver, possui um campo vasto, mas não indefinido –, faz referência aos trabalhos dos russos, como Marr, Bakhtin, Iuri Lotmann, e ao pensamento de Saussure.
Seu objetivo maior, no entanto, é focalizar a teoria semiótica de Pierce (1839 – 1914). A tarefa é, como a autora reconhece, bastante árdua, pois o pensamento de Charles Sanders Perice é muito complexo e não aceita ser sintetizado em algumas páginas. De qualquer forma, Santaella apresenta uma introdução às propostas do pesquisador americano e abre portas a quem se interessa por aprofundar os conhecimentos.
Segundo a autora, Peirce era, antes de tudo, um cientista interessado em várias áreas do conhecimento. Filho de um renomado matemático de Harvard, o chamado Leonardo Da Vinci da modernidade formou-se em química pela universidade em que o pai trabalhava, mas era estudioso consciencioso de outros campos do saber como física, matemática, astronomia, biologia, geologia. Na área das ciências humanas, conhecia linguística, filologia, história, literatura, arquitetura e suas contribuições à psicologia tornaram-no o primeiro psicólogo experimental dos Estados Unidos da América. Todos esses interesses eram costurados por um fio condutor: a lógica
Complementa Santaella (1983: 22):
A quase inacreditável diversidade de campos a que se dedicou pode ser explicada, portanto, pelo fato de que se devotar ao estudo das mais diversas ciências [...] era para ele um modo de se dedicar à lógica. Seu interesse na lógica era, primariamente, um interesse na lógica das ciências.
A professora acata o consenso segundo o qual a semiótica peirceana – ao contrário daquela desenvolvida por Greimas - não possui interesse prático. Ela foi concebida a partir de um raciocínio abstrato e não apresenta vieses de ciência aplicada. A pretensão de Peirce, ao elaborar a teoria, foi criar conceitos gerais de signos que seriam capazes de servir de base a qualquer ciência aplicada.
Ele acreditava que todas as ações do ser humano – produção, realização, expressão – pertencem à área da semiótica, ou seja, à ciência dos signos. Esta, entretanto, não é onipotente, mas apenas parte de um conjunto mais amplo: o filosófico, também subordinado a um sistema mais abrangente que revela uma gigantesca arquitetura classificatórica das ciências (op.cit.: 30).
Peirce via como necessária uma teoria que focalizasse todas as espécies de signo, tarefa ampla, que deveria ser assumida por um grupo de pesquisadores o que, de acordo com Santaella, não ocorreu, uma vez que poucos estudiosos seguiram a ambição peirceana no que diz respeito ao estudo dos signos.
Segundo a proposta do cientista norte-americano, deveriam ser considerados, inicialmente, os signos que não fizessem referência à mente humana. A ideia causou impacto na época, pois, até então, o conceito de signo sempre fora associado ao cérebro do homem.1 Mas, se foi revolucionária quando apresentada, acabou se incorporando aos avanços tecnológicos e não pode mais ser vista como algo excêntrico. Para tanto, basta lembrar que a comunicação entre as máquinas se processa sem qualquer referência à consciência humana. E, no dizer de Santaella (op.cit.: 76):
Isso, para não mencionarmos as descobertas da biologia, que estenderam a noção de signo (linguagem e informação) para o campo das configurações celulares.
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1 Por exemplo, quando alguém ouve a palavra mesa, compreende seu significado porque tem, em sua mente, um conceito do que é uma mesa.


Vanda Bartalini Baruffaldi

sábado, 26 de julho de 2014

Introdução à Semiótica

          Semiótica é um termo de origem grega cuja raiz semeion quer dizer signo. Ela é, pois, a ciência dos signos ou a ciência geral de todas as linguagens. A linguística, que estuda com olhar científico as línguas humanas, por apresentar um campo de estudo mais específico, seria um hipônimo da semiótica, isto é, seria hierarquicamente subordinada a ela.

Assim como muitos outros, os estudos semióticos vêm de longa data. Nöth1 localiza na medicina a referência mais antiga a eles. Segundo esse semioticista alemão, a anamnese, ou o estudo da história médica do paciente; a diagnóstica, que focaliza os sintomas recentes da doença e a prognóstica, o tratamento das projeções de como se desenvolverão as patologias, foram campos da medicina influenciados pela ciência dos signos. Atualmente, nessa área, a sintomatologia é confundida com a semiótica.

Nöth distingue dois tempos na história da ciência: o que ele chama de avant la lettre, que diz respeito aos trabalhos dos precursores da ciência. Equivalem à época da filosofia greco-latina em que se tratava de temas de interesse da semiótica. Citem-se, como interessados no assunto, Platão, Aristóteles, os estóicos, os epicuristas, Santo Agostinho.

Na Idade Média, é proeminente o nome de São Tomás de Aquino.  Na época medieval e renascentista, criaram-se modelos ambiciosos, que visavam à interpretação de todo o mundo natural

Um pensamento curioso surgiu entre os séculos XV e XVI graças à figura de Paracelso, o pseudônimo de um cientista suíço-alemão (ele era médico, alquimista, físico, astrólogo e ocultista). Viveu de 1493 a 1541 e criou a chamada doutrina das assinaturas, que procurava estruturar um sistema de códigos com o objetivo de interpretar os signos naturais.

Para ele, Deus não é o único autor das mensagens do mundo. Ele tem a companhia de três outros autores: o ser humano, um princípio interior de desenvolvimento e as estrelas e / ou planetas. Os traços deixados no mundo por esses emitentes recebem o nome de assinaturas – daí o nome da doutrina. Essas assinaturas podem se manifestar tanto no corpo humano e, nesse caso, são estudadas pela quiromancia; como na terra, campo da geomancia; ou no fogo, assinaturas abordadas pela piromancia; ou na água, focalizadas pela hidromancia; ou nos astros, área da astrologia.

Nöth designa o outro período da história como o da semiótica propriamente dita. Floresce nos séculos XVII e XVIII e é influenciada pelo racionalismo. Muitos dos modelos da época se desenvolveram na abadia de Port-Royal, que tem em Descartes sua figura de grande destaque.

Foi, entretanto, no século XVII, ao publicar a obra Essay on human understanding, que John Locke postulou uma teoria dos signos, dando início ao pensamento semiótico que influenciaria a modernidade. Para esse estudioso, cujas propostas não são mais aceitas pelo pensamento contemporâneo, as ideias são signos que representam as coisas na mente do sujeito e as palavras, por sua vez, representam as ideias.

No século XVIII, Lambert cunha o termo semiotik – que por vezes se digladia com a palavra semiologia - ao abordar os sistemas sígnicos, em que reconhece subsistemas: as notas musicais, os gestos, os hieróglifos, os signos químicos, os astrológicos, os heráldicos, os sociais e os naturais. A grande contribuição de Lambert, entretanto, está associada ao caminho que ele abriu para a criação de uma linguagem científica e universal.

No século XX, outros nome se destacaram nos estudos semióticos Entre eles, citem-se Fichte, Novalis, Hegel, Humboldt, Umberto Eco e, de forma especial, Pierce, para a semiótica norte-americana, e Greimas, para a europeia.
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1 NÖTH, Winfried. 1998. Panorama da semiótica. De Platão a Peirce. São Paulo: Annablume.


quinta-feira, 24 de julho de 2014

Análise do discurso: exemplo de estudo de texto.

Como se registrou no texto anterior, o sujeito - assim como sua ideologia - é fruto das coordenadas espaço-temporais em que está inserido. Entenda-se por sujeito não apenas aquele que enuncia, mas também aquele que recebe a enunciação. É importante não esquecer que, para que se efetive o ato comunicativo, é necessária a existência de um denominador comum – que não se restringe ao código – entre os interlocutores, ou seja, temas, informações, valores, quer convergentes quer não.

O discurso que será analisado abaixo segue a mesma orientação: decorre de condições de produção específicas, que levaram o sujeito a se manifestar de uma determinada forma a fim de ser entendido pela audiência a que se dirigia.

O pronunciamento foi feito durante uma hora por Simon Bolívar, em 15 de fevereiro de 1819, diante do recém-criado Congresso de Angostura, na época em que a Venezuela e a Colômbia se tornaram independentes. Na ocasião, o orador analisou – segundo os historiadores, de forma aprofundada - a realidade de seu tempo. 1

A seguir, um fragmento do discurso.

A época da república, que presidi, não foi uma mera tempestade política, nem uma guerra sangrenta, nem uma anarquia popular, mas o desenrolar de todos os elementos desorganizadores; foi a inundação de uma torrente infernal que submergiu a terra da Venezuela. Um homem – e um homem como eu! - que diques poderia contrapor ao ímpeto dessas devastações? Em meio a esse pélago de angústias não fui mais que um vil joguete do furacão revolucionário que me arrebatava como uma frágil palha. Não pude fazer nem bem nem mal; forças irresistíveis dirigiram a marcha dos acontecimentos; atribuí-los a mim não seria justo e seria dar-me uma importância que não mereço. Quereis conhecer os autores dos fatos passados e da ordem atual? Consultai os anais da Espanha, da América e da Venezuela; examinai as Leis das Índias, o regime dos antigos mandatários, a influência da religião e do domínio estrangeiro; observai os primeiros atos do governo republicano; a ferocidade de nossos inimigos e o caráter nacional. Não me pergunteis sobre os efeitos desses transtornos para sempre lamentáveis; apenas podeis supor-me simples instrumento das grandes mudanças que ocorreram na Venezuela; no entanto, minha vida, minha conduta, todas as minhas ações públicas e privadas estão sujeitas à censura do povo. Representantes, vós deveis julgá-las! Submeto a história de meu mandato à vossa imparcial decisão; nada farei para eximi-la; já disse tudo o que podia em minha defesa. Se merecer vossa aprovação, terei alcançado o sublime título de bom cidadão, preferível para mim ao de Libertador, dado pela Venezuela, ao de Pacificador, que me outorgou Cundinamarca,2 e aos que o mundo inteiro possa dar.
                                                                  BOLIVAR, Simon. 1992. Escritos políticos. Campinas: Unicamp, p. 82.


Esta análise se apoiará na linguagem empregada por Bolívar e não nos dados históricos que subsidiam o texto. Ela se deterá na figura do sujeito enunciador e buscará traçar seu perfil a partir das observações que faz acerca de si mesmo. O estudo, entretanto, poderia focalizar o perfil da audiência – ou do alocutário - assim como as marcas do tempo e do espaço em que o discurso foi pronunciado.

A fim de entender a razão pela qual o locutor traça seu perfil do modo como o faz, é importante destacar, ainda que rapidamente, no texto, as características da época em que o discurso ocorreu, ou seja, suas condições de produção. Bolívar descreve seu tempo como tumultuado, decorrente de muitos elementos desorganizadores [...] ou, em outros termos, inundado por uma torrente infernal que submergiu a terra da Venezuela. Desse contexto agitado surgirá a personalidade que ele traça para seus interlocutores.

Dividamos o estudo em dois grandes blocos: aquele que define o papel social do locutor e aquele que projeta a imagem que ele faz de si mesmo.

Acerca de seu papel social, ficamos sabendo, logo no início do texto, ser ele um administrador público, de alto escalão, como prova a referência ao fato de ele ter presidido a república: A época da república que presidi...

O segundo bloco trata das características de sua personalidade. O trecho ...não fui mais que um vil joguete do furacão... revela uma primeira marca: ele se considera uma vítima das circunstâncias que, então, envolviam o país. Como decorrência dessa interpretação, valoriza sua fragilidade diante das turbulências da época (Um homem – e um homem como eu! – que diques poderia contrapor ao ímpeto dessas devastações?), o que, a seu ver, justificaria sua passividade diante das circunstâncias (Não pude fazer nem bem nem mal; forças irresistíveis dirigiram a marcha dos acontecimentos)

Em outro trecho, valoriza seu espírito democrático, o respeito à opinião pública (...minha vida, minha conduta, todas as minhas ações públicas e privadas estão sujeitas à censura do povo). Esse espírito democrático é ratificado pela sua coragem de receber críticas (Submeto a história do meu mandato a vossa imparcial decisão!) sem, entretanto, abrir mão de sua capacidade de análise, como prova o trecho em que incita a audiência a consultar documentos históricos que poderiam comprovar as decorrências funestas criadas por ações de seus antecessores:

Quereis conhecer os autores dos fatos passados e da ordem atual? [...] Não me pergunteis sobre os efeitos desses transtornos para sempre lamentáveis.

Enaltece sua modéstia, uma vez que declara considerar injusto atribuir a ele a direção que os acontecimentos tomaram na Venezuela da época. Seguem suas palavras:

Atribuí-los a mim não seria justo e seria dar-me uma importância que não mereço.

Ressalte-se, por fim, seu gosto pelo hiperbólico, como se pode notar no trecho em trata das turbulências que marcaram seu país. Para se referir a elas, emprega expressões como tempestade política; torrente infernal; furacão revolucionário...

Em suma: o momento vivido por Bolívar, as circunstâncias que condicionaram seu discurso levaram-no a produzir um texto em que ele se afigura como alguém que, embora fragilizado diante do ímpeto dos acontecimentos, emerge deles como uma autoridade moral devido a sua modéstia, a sua franqueza, ao reconhecimento de suas limitações; a seu espírito não apenas democrático como crítico, que busca respeito por sua terra. Resta saber se a figura que ele construiu corresponde ao homem que ele foi.
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1 Fonte: < http://es.wikipedia.org/wiki/Discurso_de_Angostura>. Consultado em 24 de julho.de 2014.

2 Departamento da Colômbia.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Uma breve introdução à Análise do Discurso



A Análise do Discurso é uma corrente da linguística, que surgiu na França por volta de 1960, época em que os estudos sobre o texto substituíram aqueles focados no exame da frase. Essa linha de pensamento – que apresenta uma vertente de orientação francesa e outra, norte-americana – é fruto de reflexões de Jean Dubois, lexicólogo francês, autor de um dicionário de linguistica, e de Michel Pêcheux, filósofo envolvido com a teoria marxista. Ao lado do pensamento marxista e das conclusões da linguística, a Análise do Discurso revela ainda ascendência da psicanálise lacaniana. É, portanto, uma área de estudos interdisciplinares.

Como não poderia deixar de ser, tais influências se interpenetram. Da psicanálise lacaniana, extrai o conceito de linguagem e de sujeito. Aquela é vista por Lacan como uma cadeia de significantes que se repete e que revela, no discurso, outras palavras além daquelas lidas ou escutadas. Por exemplo, quando se diz: O Brasil continua deitado em berço esplêndido, fica estabelecida não apenas uma relação com um dos versos do Hino Nacional mas também uma crítica a um comportamento do brasileiro que vive no século XXI. Embora tais reflexões não estejam expressas, elas podem ser captadas sob as palavras que estruturam a frase.

Da mesma forma, em outro exemplo, identificam-se, pelas entrelinhas, as diferentes posições ideológicas dos enunciadores dos dois textos a seguir: a) Os sem-terra estão ludibriando a população ao armar barracas que ficam vazias e b) Para conseguir o que querem, os sem-terra tiveram que armar barracas que ficam vazias. Portanto, sob as palavras da superfície, encontram-se outras que apontam para o verdadeiro pensamento do enunciador.

Entretanto, da psicanálise, o que mais interessa à Análise do Discurso é a teoria de sujeito concebida por Lacan. Para ele, o sujeito é clivado: divide-se entre o consciente e o inconsciente e, ponto fundamental, produz textos que refletem um trabalho ideológico inconsciente, trazido à luz pela linguagem. É a análise linguística  que revelará os componentes socio-ideológicos de uma composição textual e, consequentemente, de seu produtor e correspondente interlocutor. Cabe ao analista identificar as marcas da presença do sujeito nos textos.

Quanto ao materialismo histórico, de procedência marxista, sua importância para a Análise do Discurso destaca-se no conceito de ideologia. É Althusser – filósofo francês filiado ao Partido Comunista -  quem sustenta que a  ideologia não deve ser entendida como algo abstrato, como uma mera ideia, mas como fruto das tensões sociais, do lugar que o sujeito ocupa no mundo. Assim, o discurso dos médicos revela influências do meio a que os médicos pertencem. As mesmas observações podem ser feitas acerca das ideias defendidas pelos garis. O sujeito, portanto, não tem total liberdade para pensar. Antes, ele é assujeitado pelo grupo social de que faz parte.

Embora essa seja uma assertiva vinculada ao pensamento marxista, ela encontra amparo no arcabouço teórico de Saussure, o linguista genebrino que também defendia a tese segundo a qual a ideologia deve ser estudada em sua materialidade e não de forma abstrata. Acrescentava ser a linguagem o lugar privilegiado para a transmissão de concepções ideológicas.

Reiterando a informação: em decorrência de suas relações com o materialismo histórico, a Análise do Discurso sustenta que o sujeito ocupa um lugar social, em uma época específica, sendo que esses traços espaço-temporais emergem no texto  produzido. Assim, tanto o sujeito como o sentido se encontram no mundo; são históricos. Daí se dizer que todo o texto é reflexo de um determinado momento histórico.

Nesse caso, embora a Análise do Discurso defenda uma linha de estudos muito diferente daquela proposta por Saussure, mais uma vez o linguista revela sua influência sobre esses trabalhos mais contemporâneos: assim como um elemento da língua não se define por si, mas é resultante da relação com outros elementos, a ideologia não é algo abstrato, mas conseqüência do meio que a produz. Da mesma forma, um sujeito só se define em relação a outro sujeito; nunca por si só.

Para finalizar, talvez seja elucidativo conhecer o pensamento de Dominique Maingueneau, docente da Sorbonne. Ele identifica na linguística um núcleo rígido e um núcleo de contornos instáveis. O primeiro visa a estudar a língua como se ela fosse um conjunto de regras e propriedades; já o segundo a vê como um conjunto de estratégias de interlocução, produto de sujeitos inscritos em um momento histórico.


A fim de obter mais informações, consulte-se, entre várias outras,  a obra de Eni Orlandi, talvez a estudiosa de maior projeção no Brasil no âmbito da Análise do Discurso. 

sábado, 19 de julho de 2014

Um passar de olhos sobre a psicolinguística



              A Psicolinguística surgiu na metade do século passado, dizem os observadores, de um modo peculiar para uma ciência: ela foi fruto da intenção de um determinado grupo de estudiosos, o que ocorreu em tempo e espaço também determinados. Aos poucos, graças à publicação de trabalhos, à organização de congressos e encontros, ela foi fixando como uma nova área de conhecimento. Em 1953, graças ao lançamento de Psycholinguistics, um livro organizado por C.E. Osgood, T.E. Sebeok e colaboradores, os estudos ganharam  projeção. Na obra, expunha-se vasta gama de pesquisas que giravam em torno das conclusões da psicologia do aprendizado, da teoria da informação e da linguística.  

            Já na metade do século XIX e inícios do século XX, os cientistas haviam tentado unir as investigações de diferentes áreas do conhecimento quando o intuito era estudar de modo mais completo o fenômeno da linguagem. Na época, concorreram para esse objetivo conclusões da psicologia da linguagem, da neuropsiquiatria, da linguística e da psicologia.

                   No decorrer do século XX, as descobertas de Chomsky reforçaram a tese de que a linguagem é um fenômeno de alta complexidade que, de fato, demanda a concorrência de diversas disciplinas desde que se queira fazer uma abordagem mais completa. Assim, a psicolinguística foi se firmando e, não obstante a forma composta do nome, sempre se projetou como ciência independente, tendo objeto e métodos próprios de estudo.

                 As relações entre psicologia e linguística surgiram inicialmente por interesses comuns: a psicologia via na linguística a possibilidade de, por meio do conhecimento dos fenômenos da linguagem, chegar a conclusões mais precisas sobre a psique humana. Já a linguística buscava, na psicologia, apoio para entender melhor a organização dos dados da linguagem verbal.

              Segundo Greene (apud MELO, 2005: 15), a teoria da informação e a teoria do aprendizado foram, inicialmente, as duas vertentes que mais influenciaram os psicólogos em suas tentativas de aproximação com a linguística. A teoria da informação  porque acredita, em suas ponderações, ser mais importante saber se uma mensagem será transmitida do que conhecer o conteúdo que ela veicula. A teoria da aprendizagem, por seu turno, porque ela focaliza as respostas verbais como uma manifestação das respostas em geral. Esse interesse tripartite durou até a década de 60, quando Chomsky, com a teoria gerativo-transformacionalista levou os psicólogos a repensar suas propostas relacionadas ao comportamento linguístico.

           Atualmente, outras ciências fornecem dados para os estudos da psicolinguística: a epistemologia genética, a etologia – disciplina que estuda o comportamento animal - e a psicanálise, quando se preocupam com questões relativas à temporalidade e à gênese. O sujeito a ser observado sofreu um deslocamento: não se trata mais de focalizar a criança que começa a falar, mas o infante de modo geral, aí incluso  até o recém-nascido.

            Assim como outros cientistas da área, Lélia Erbolato de Melo (2005) sustenta que a psicolinguística não pode ir a reboque das conclusões de outras ciências, mas deve definir precisamente seu espaço de observação, equilibrando-o, de modo a fazer com que seu lado psicológico e linguístico tenham o mesmo peso.

        Nos dias de hoje, a psicolinguística aborda os seguintes temas: teorias da aquisição da linguagem; desvios de linguagem; questões relacionadas à compreensão e produção de língua estrangeira; processamento da linguagem; processamento de sinais acústicos da fala; relações entre linguagem e pensamento.

     Os interessados podem consultar, entre outras fontes, o artigo de Ari Pedro Balieiro Junior, 'Psicolinguística', incluído no livro Introdução à Linguística (org.: MUSSALIN, Fernanda e BENTES, Anna Christina Bentes (Cortez, 2022: pp. 171-202) ou o livro Tópicos de Psicolingüística Aplicada de Lélia Erbolato Melo (Humanitas: 2005).

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Preconceito linguístico II. Prestígio x estigma..



A linguística é uma área antiga de estudo, mas foi apenas após a publicação dos trabalhos de Saussure que ela passou a ter o status de uma ciência cujo objetivo é focalizar a língua por meio de procedimentos rigorosos, capazes de conferir, às conclusões a que se chega, um grau considerável de confiabilidade.

Tal visão científica não lhe subtraiu, entretanto, o papel fundamental: ser um meio de comunicação entre os homens. Decorre dessa premissa a obrigatoriedade de acatar como aceitável todo tipo de formulação da língua que obtenha a compreensão da mensagem pelo interlocutor.

Em outros termos: se comunicar é uma propriedade inerente à língua e se estruturas estigmatizadas como A  gente vamos torcer para que tudo dê certo ou As menina chegô são entendidas pelo usuário, então...elas estão corretas.

Os lingüistas se batem por este ponto: por que considerar frases como a que se lê acima erradas se elas satisfazem o princípio essencial da língua?

Acontece que tais registros não são de prestígio. Pessoas que fazem uso de estruturas como essas são taxadas de pouco conhecedoras do idioma, de ignorantes, analfabetas... rótulos de que ninguém gosta evidentemente.

Para resolver esse tipo de problema, a sociolinguística defende a tese de que a língua oferece inúmeros matizes que podem – por vezes, devem – ser adequados ao contexto em que são utilizados. Por exemplo, não teria sentido fazer uso de uma variante com alto grau de formalismo em um encontro entre amigos. A escolha poderia parecer pretensiosa, arrogante e afastar as pessoas.

Mas, como já está difundido o bastante, não se pode, da mesma forma, fazer uso de um registro excessivamente informal em situações que requerem formalidade como é o caso de uma entrevista cujo objetivo conseguir um emprego.

Dessa forma, embora a linguística preconize igualdade para todas as variantes, a própria sociedade  fortalece a dicotomia prestígio x estigma. Em vista  desse panorama, talvez seja, de fato, caso de acatar a sugestão equilibrada da maior parte dos estudiosos: deve-se buscar a adequação entre a variante escolhida e o contexto em que se está, isto é, selecionar o registro que respeite o perfil do interlocutor, o momento e o local em que o ato comunicativo se realiza .

Para mais informações sobre o assunto, pode-se consultar a obra de Dino Preti, um precursor dos estudos sociolinguísticos no Brasil. Mas há outros trabalhos, como os de Fernando Tarallo e de Marcos Bagno, entre os quais Preconceito linguístico, uma pequena brochura, de leitura agradável, publicada pelas Edições Loyola.

O imprescindível, entretanto, é que o contato com o material desenvolvido pela sociolinguística não crie ilusões no leitor que possam fasciná-lo com propostas atraentes, inovadoras, mas que, aplicadas com descuido, são capazes de levar a perder de vista as exigências da sociedade em relação ao uso da língua.

domingo, 13 de julho de 2014

Preconceito linguístico I. A escolha do grafema.



A escolha de escrita a ser usada por um determinado povo está relacionada a suas crenças e a sua história. Enfim, empregar a escrita alfabética ou a não alfabética é uma opção, que está vinculada à cultura de um povo. Entretanto,  essa afirmativa, que pode ser consensual hoje em dia, nem sempre o foi durante os séculos.

Vimos, no texto anterior, que os gregos, a partir de uma colaboração dos fenícios, transformaram a escrita silábica em alfabética. Até o século XVII, os outros europeus, influenciados pelo pensamento grego, faziam uso desse tipo de grafia servindo-se, sobretudo, do sistema árabe ou hebraico em seus registros.

Mesmo conhecedores que eram de outras formas de escrita – caso dos hieróglifos ou do sistema pictográfico dos indígenas, como as astecas e maias – a Europa manteve o hábito de se comunicar por meio da escrita alfabética.

Todavia, o poderio da China se projetava no mundo de então e o conhecimento de sua estranha escrita abalou as convicções europeias que, respeitando o espectro da nova potência, passaram a considerar sua escrita como racional e a conferir-lhe posição privilegiada  Leibnitz, o conhecido filósofo alemão, partilhava dessa ideia.

O mundo se alterava, entretanto e, na segunda metade do século XVIII, os pontos de vista sobre a escrita apresentaram outra configuração. A alfabética voltou a ser tida como a melhor forma de escrever. Consequentemente, a escrita chinesa se desvalorizou e começou a ser taxada de rudimentar.

Maurizio Gnerre, em Linguagem, escrita e poder, (São Paulo: Martins Fontes, 1993) se refere a uma obra de Boswell de a791 (Life of Samuel Johnson.) para registrar o tipo de pensamento que vigorava na época. Quando uma das personagens argumenta que a língua dos chineses possuía mais sabedoria do que qualquer outra porque dispunha de grande número de caracteres, a personagem central do livro contra-argumentou que ela, na verdade, era:

... somente mais difícil devido a sua rudimentaridade: assim como é mais trabalhoso cortar uma árvore com uma pedra que com um machado. (GNERRE: 1993, 83)


No século XIX, essa visão preconceituosa se acentuou. Na época, Europa e China viviam um confronto e a influência da Europa era mais ampla. Comentando as relações de força entre os países, muitos autores afirmavam que se localizava na escrita a causa da “inferioridade” chinesa.

A decodificação dos hieróglifos por Champollion, no mesmo século, alimentou o raciocínio canhestro, ao trazer à baila um fato histórico: Alexandre, o Magno, reinava na Macedônia no século IV a.C. Ele tivera uma educação helênica, que admirava e cujas orientações acatava, incluindo-se o sistema alfabético de escrita. A vitória que obteve sobre os egípcios, povo de escrita ideográfica, provava, segundo os pensadores do momento, provava uma vez mais a superioridade da escrita alfabética sobre as outras. Dessa forma, o alfabeto passou a ser supervalorizado e, como decorrência, a cultura ocidental.

Nos inícios do século XX, mantinha-se a mesma visão  estreita. Pensadores, como o filósofo francês Émile Durkhein, sustentavam que os chineses eram povos primitivos o que se comprovava pela sua escrita. Esses raciocínios fieram com que até mesmo os chineses acabassem se convencendo de que a silábica era superior à sua forma de escrever e cogitaram substituir os caracteres de sua escrita pelas do alfabeto. Com o alinhamento do governo chinês à ideologia comunista, o sistema ideográfico passou a ser visto como próprio das classes dominantes e de seus intelectuais. Assim, em 1958, ele foi substituído por um sistema de transcrição baseado no alfabeto.

De acordo com as idéias de Foucault (apud GNERRE,op. cit: 67), a escrita alfabética representa não o significado mas os elementos fonéticos pelos quais nos expressamos. Já o ideograma representa diretamente o significado.

Para evitar distorções comprometedoras, é importante lembrar que as mudanças no modo de ver os símbolos da escrita estão relacionadas ao modo como pensaram os homens no decorrer dos estágios que constituem sua história.


quinta-feira, 10 de julho de 2014

Um rápido olhar sobre a evolução da escrita



Torna-se desnecessário dizer que as sociedades humanas começaram a se comunicar por meio da oralidade. O instigante é procurar saber a partir de que momento elas passaram a se interessar pela escrita. Mary Kato, em seu livro No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística (Editora Ática.1990), apoiada nos estudos de Gelb, faz uma retrospectiva, que será retomada aqui de forma sucinta.

De acordo com suas informações, podemos dividir o desenvolvimento da escrita em duas grandes fases: a dos movimentos precursores e a da escrita plena. Na primeira, também chamada semasiológica1, verificaram-se produções relacionadas ao sistema pictográfico: objetos eram desenhados pelos homens primitivos sobre uma superfície qualquer com o objetivo de expressar visualmente suas idéias.

Gradativamente, esses desenhos tomaram duas direções: uma delas se encaminhou para a manifestação artística e a outra destinou-se à comunicação. Naturalmente o sistema pictográfico, de início, não pode ser considerado como uma representação da fala mas, aos poucos, passou a desempenhar esse papel.

Ao lado da pictografia e ainda relacionados aos movimentos precursores da escrita, encontram-se os recursos mnemônicos, caso dos símbolos heráldicos2 e dos registros empregados pelos indígenas para indicar as condições do tempo: eles faziam, por exemplo, pela distribuição de pedras sobre o solo.

Na fase da escrita plena, também designada como fonográfica, ou seja, aquela que registra (grafia) o som (fono), podem ser identificadas as seguintes etapas: lexical-silábica, silábica e  alfabética.

Ao examinar a etapa lexical-silábica, os pesquisadores constataram uma simplificação no traçado dos desenhos usados na pictografia, o que permitiu que eles pudessem ser submetidos a convenções: os mesmos traços passaram a representar sempre as mesmas ideias. Surgiram então os ideogramas (ou logogramas) e os desenhos deixaram de ser icônicos, ou seja, relacionados à imagem e passaram a ser simbólicos. Por exemplo, ao invés de desenhar um animal, fazia-se um traço que o representasse.

O logograma já pode ser considerado uma palavra, pois possui uma representação fonética – ligada a um som - e um significado. Essa forma de escrita se manteve em uso por muito tempo e eram prestigiados os povos que se serviam dela.

Foi o espírito pragmático dos fenícios que extraiu da escrita lexical-silábica dos egípcios – derivada dos hieróglifos – vinte e quatro símbolos que vieram a formar um silabário. De início, esse silabário era constituído apenas por consoantes, sendo as vogais apenas esporadicamente empregadas para indicar alteração na leitura de um símbolo. Por exemplo, /f/, poderia ser lido como /fa//fe//fi//fo//fu/. A língua japonesa é uma, dentre as faladas no mundo contemporâneo, que conserva o sistema silábico de escrita.

Os gregos se apropriaram do silabário fenício para formar o alfabeto, empregado por grande número das línguas modernas. Os helenos padronizaram o uso da vogal associada a uma consoante, o que fez com que a escrita silábica passasse a ser alfabética. Esses fatos ocorreram no século X a.C.

 Kato informa que, depois da transformação da escrita silábica em alfabética, nenhuma alteração significativa aconteceu na história da escrita. E acrescenta:

Embora haja inúmeras variedade de alfabeto no  mundo, que apresentam diferenças formais externas, todas ainda usam os mesmos princípios estabelecidos pela escrita grega (1990:16).

Antes de encerrar, leia uma curiosidade acerca do aprendizado da escrita pela criança: segundo Vogitsky, que estudou o assunto, para aprender a escrever, uma criança precisa, antes de qualquer coisa, descobrir que ela pode desenhar, ao lado de outras coisas, a própria fala.

Para representar a evolução da escrita, Kato apresenta (1990:13), ainda com base em Gelb, um esquema que reproduzimos aqui:

1.     Inexistência da escrita
2.     Precursores da escrita: fase semasiológica     
                  2,1, Sistema pictográfico
2.2.Recursos de identificação mnemônica
3.     Escrita plena: fase fonográfica
3.1.Lexical-silábica
3.2.Silábica
3.3.Alfabética
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1 Semasiologia  é uma palavra proveniente do grego e formada por semasía, termo relacionado ao conceito de significado + logos = estudo + ia. Trata-se de um ramo da lexicologia, ou seja, do estudo do acervo das palavras de uma língua. A semiologia focaliza o significado dos vocábulos e dele retira os significantes.

2Heráldica: estudo dos brasões.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Oralidade e escrita

          O espírito humano parece ser ávido por criar dicotomias: ou elas se instalam na oposição espiritualidade x materialismo; ou na razão x sentimento; ou na natureza x cultura. Em cada uma delas, quase sempre, há quem penda mais para um lado que para o outro.

      Naquela que se criou entre língua escrita x língua oral, a preferência dos estudiosos recaiu, por muito tempo, sobre a modalidade escrita. Eles se apoiavam no argumento segundo o qual esta deveria ser considerada um aperfeiçoamento daquela e, portanto, merecedora de mais atenção. De seu ponto de vista, a estrutura da escrita era complexa, abstrata – quase independente de um contexto - e formal; a da outra apresentava-se como um avesso: seria simples, concreta, informal, amorfa, sempre submissa a um momento.

          Escrevem Fávero et al, no livro Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino da língua materna (Cortez: 2005), que a fala era vista como uma forma primitiva, e a escrita, como sua derivada de maior prestígio. E lembram:

Historicamente a escrita, sobretudo a literária, sempre foi considerada a verdadeira forma de linguagem, e a fala, instável, não podendo constituir um objeto de estudo.

       Ultimamente, todavia, muitas pesquisas têm se desenvolvido acerca das duas formas de expressão. O grande volume de publicações, entretanto, não revela convergência no modo de equacionar o problema, pois ainda se evidencia, em alguns casos, a manutenção do mesmo maniqueísmo:  alguns, que se utilizam do argumento de que os homens aprendem a falar antes que a escrever, sustentam ser a fala mais importante que a escrita; outros, apoiando-se na projeção – ou status - que possuem os povos que se servem do registro escrito da língua, garantem ser este uma forma superior de expressão.

          Pontos de vista mais equilibrados buscam uma solução intermediária. Para essas posições, é preferível acreditar que, apesar de ambas as modalidades servirem-se do mesmo sistema linguístico, elas fazem um uso diferenciado dos recursos que têm à disposição. Assim, cada uma dá origem a um produto específico, distinto do da outra, mas não menos relevante.

         Partindo desse princípio, estudos recentes têm demonstrado, por exemplo, que os textos orais também apresentam marcas de coerência e coesão ainda que de forma muito diversa do que aquelas encontradas em sua contrapartida escrita.


        Se há interesse em aprofundar esse tipo de conhecimento, consulte-se, entre muitas outras, a obra do professor pernambucano Luís Antônio Marcuschi; os estudos publicados pelo projeto Gramática do Português Falado no Brasil, coordenado por Ataliba Castilho; os trabalhos de Dino Preti ou os organizados por Maria Helena de Moura Neves, que tem se dedicado também a organizar uma gramática do português oral.         

sexta-feira, 4 de julho de 2014

A teoria dos atos da fala

Embora possa parecer estranho, é usual observar a influência das correntes filosóficas sobre o pensamento da linguística. É o que ocorreu também com a chamada Teoria dos atos da fala, a que se fez referência no último texto deste blog.

Quem abriu caminho para o aparecimento dessa linha teórica foi John L. Austin, um filósofo inglês que viveu entre 1911 e 1960. Contrariando as tendências então vigentes, Austin ressaltou a importância da linguagem como forma de comunicação, sustentando que deveriam ser focalizados não apenas o uso que a ciência faz dela nem apenas seu aspecto formal – como quis o filósofo, matemático e lógico alemão Gottlob Frege ou o linguista e filósofo suíço Ferdinand de Saussure.

Os estudos sobre a linguagem deveriam enfocar, sobretudo, o seu funcionamento cotidiano, aquele encontrado no dia a dia do usuário comum. Assim, seguindo a trilha - meio atabalhoadamente aberta pelo austríaco Ludwig Wittgestein – os filósofos concluíram que a linguagem não pode ser reduzida ao código linguístico. Ao contrário, por sua flexibilidade, ela é dependente de convenções sociais e o fundamental é estudar os enunciados e a situação em que eles são empregados.

Desenvolveram-se então trabalhos com o intuito de aprofundar e sistematizar as idéias de Wittgenstein, passando-se a priorizar, na análise dos enunciados, a circunstância em que eles se realizam.  Austin se dedicou a esses estudos em um livro chamado How to do things with words, em que busca interpretar questões, exclamações, comandos e não só os aspectos estruturais da língua.

Essas análises foram aprimoradas por John R. Searle  - hoje com 82 anos- um professor norte-americano da Universidade de Berkeley, que concentrou seus estudos científicos na filosofia da linguagem, explorando também os domínios da consciência e estados mentais nos atos de comunicação.

No Brasil, Rodolfo Ilari, em seu livro Introdução à semântica: brincando com a gramática, publicado pela editora Contexto (p 27 e seguintes), dedica um capítulo à formulação de exercícios que procuram aplicar, na linguagem corriqueira, os princípios da Teoria dos atos da fala.

Em um dos exercícios, o autor observa que, a partir de uma mesma estrutura linguística, é possível indicar a ocorrência de diferentes tipos de ação, graças ao uso dos recursos do aspecto modal do verbo, aliados a outros, como entonação. Assim, um esquema como cachorro + preso pode dar origem a:

a. uma declaração: Parece que o cachorro está preso.  
b.   uma pergunta: O cachorro pode estar preso?
c.  uma surpresa: O cachorro está preso?!
d. uma manifestação de dó: Coitado! O cachorro está preso há dois dias.

Em outro exemplo, Ilari se utiliza da seguinte frase optativa, que poderia acompanhar um presente de casamento:

Tomara que os noivos encontrem a felicidade.

Segundo a instrução do exercício, o estudante deverá substituir alguns termos que não considera apropriados (por exemplo: tomara) por outros que julga mais pertinentes à ocasião (como oxalá ou desejamos que...ou fazemos votos de que...). Realizada essa etapa, deveria ser feita uma reflexão: “Por que um uso é mais adequado que o outro em determinado contexto?”

Esses são, de forma muito generalizada, os princípios que norteiam a Teoria dos atos da fala para a qual, sempre que nos servimos de um enunciado, realizamos um tipo de ação: ou informamos, ou perguntamos, ou prometemos, ou autorizamos, entre inúmeras outras.