A Análise do Discurso é uma corrente
da linguística, que surgiu na França por volta de 1960, época em que os estudos
sobre o texto substituíram aqueles focados no exame da frase. Essa linha de
pensamento – que apresenta uma vertente de orientação francesa e outra,
norte-americana – é fruto de reflexões de Jean Dubois, lexicólogo francês,
autor de um dicionário de linguistica, e de Michel Pêcheux, filósofo envolvido
com a teoria marxista. Ao lado do pensamento marxista e das conclusões da linguística,
a Análise do Discurso revela ainda ascendência da psicanálise lacaniana. É,
portanto, uma área de estudos interdisciplinares.
Como não poderia deixar de ser, tais
influências se interpenetram. Da psicanálise lacaniana, extrai o conceito de
linguagem e de sujeito. Aquela é vista por Lacan como uma cadeia de
significantes que se repete e que revela, no discurso, outras palavras além daquelas
lidas ou escutadas. Por exemplo, quando se diz: O Brasil continua deitado em berço esplêndido, fica estabelecida não
apenas uma relação com um dos versos do Hino Nacional mas também uma crítica a
um comportamento do brasileiro que vive no século XXI. Embora tais reflexões
não estejam expressas, elas podem ser captadas sob as palavras que estruturam a
frase.
Da mesma forma, em outro exemplo,
identificam-se, pelas entrelinhas, as diferentes posições ideológicas dos enunciadores
dos dois textos a seguir: a) Os sem-terra
estão ludibriando a população ao armar barracas que ficam vazias e b) Para conseguir o que querem, os sem-terra
tiveram que armar barracas que ficam vazias. Portanto, sob as palavras da
superfície, encontram-se outras que apontam para o verdadeiro pensamento do
enunciador.
Entretanto, da psicanálise, o que mais
interessa à Análise do Discurso é a teoria de sujeito concebida por Lacan. Para
ele, o sujeito é clivado: divide-se entre o consciente e o inconsciente e,
ponto fundamental, produz textos que refletem um trabalho ideológico inconsciente,
trazido à luz pela linguagem. É a análise linguística que revelará os componentes socio-ideológicos
de uma composição textual e, consequentemente, de seu produtor e correspondente
interlocutor. Cabe ao analista identificar as marcas da presença do sujeito nos
textos.
Quanto ao materialismo histórico, de
procedência marxista, sua importância para a Análise do Discurso destaca-se no
conceito de ideologia. É Althusser – filósofo francês filiado ao Partido
Comunista - quem sustenta que a ideologia não deve ser entendida como algo
abstrato, como uma mera ideia, mas como fruto das tensões sociais, do lugar que
o sujeito ocupa no mundo. Assim, o discurso dos médicos revela influências do
meio a que os médicos pertencem. As mesmas observações podem ser feitas acerca
das ideias defendidas pelos garis. O sujeito, portanto, não tem total liberdade
para pensar. Antes, ele é assujeitado pelo grupo social de que faz parte.
Embora essa seja uma assertiva
vinculada ao pensamento marxista, ela encontra amparo no arcabouço teórico de
Saussure, o linguista genebrino que também defendia a tese segundo a qual a
ideologia deve ser estudada em sua materialidade e não de forma abstrata.
Acrescentava ser a linguagem o lugar privilegiado para a transmissão de concepções ideológicas.
Reiterando a informação: em
decorrência de suas relações com o materialismo histórico, a Análise do
Discurso sustenta que o sujeito ocupa um lugar social, em uma época específica, sendo que esses traços espaço-temporais emergem no texto produzido. Assim, tanto o sujeito como o
sentido se encontram no mundo; são históricos. Daí se dizer que todo o texto é
reflexo de um determinado momento histórico.
Nesse caso, embora a Análise do Discurso
defenda uma linha de estudos muito diferente daquela proposta por Saussure, mais
uma vez o linguista revela sua influência sobre esses trabalhos mais contemporâneos:
assim como um elemento da língua não se define por si, mas é resultante da
relação com outros elementos, a ideologia não é algo abstrato, mas conseqüência
do meio que a produz. Da mesma forma, um sujeito só se define em relação a
outro sujeito; nunca por si só.
Para finalizar, talvez seja
elucidativo conhecer o pensamento de Dominique Maingueneau, docente da Sorbonne.
Ele identifica na linguística um núcleo
rígido e um núcleo de contornos
instáveis. O primeiro visa a estudar a língua como se ela fosse um conjunto
de regras e propriedades; já o segundo a vê como um conjunto de estratégias de
interlocução, produto de sujeitos inscritos em um momento histórico.
A fim de obter mais informações,
consulte-se, entre várias outras, a obra
de Eni Orlandi, talvez a estudiosa de maior projeção no Brasil no âmbito da
Análise do Discurso.
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