terça-feira, 22 de julho de 2014

Uma breve introdução à Análise do Discurso



A Análise do Discurso é uma corrente da linguística, que surgiu na França por volta de 1960, época em que os estudos sobre o texto substituíram aqueles focados no exame da frase. Essa linha de pensamento – que apresenta uma vertente de orientação francesa e outra, norte-americana – é fruto de reflexões de Jean Dubois, lexicólogo francês, autor de um dicionário de linguistica, e de Michel Pêcheux, filósofo envolvido com a teoria marxista. Ao lado do pensamento marxista e das conclusões da linguística, a Análise do Discurso revela ainda ascendência da psicanálise lacaniana. É, portanto, uma área de estudos interdisciplinares.

Como não poderia deixar de ser, tais influências se interpenetram. Da psicanálise lacaniana, extrai o conceito de linguagem e de sujeito. Aquela é vista por Lacan como uma cadeia de significantes que se repete e que revela, no discurso, outras palavras além daquelas lidas ou escutadas. Por exemplo, quando se diz: O Brasil continua deitado em berço esplêndido, fica estabelecida não apenas uma relação com um dos versos do Hino Nacional mas também uma crítica a um comportamento do brasileiro que vive no século XXI. Embora tais reflexões não estejam expressas, elas podem ser captadas sob as palavras que estruturam a frase.

Da mesma forma, em outro exemplo, identificam-se, pelas entrelinhas, as diferentes posições ideológicas dos enunciadores dos dois textos a seguir: a) Os sem-terra estão ludibriando a população ao armar barracas que ficam vazias e b) Para conseguir o que querem, os sem-terra tiveram que armar barracas que ficam vazias. Portanto, sob as palavras da superfície, encontram-se outras que apontam para o verdadeiro pensamento do enunciador.

Entretanto, da psicanálise, o que mais interessa à Análise do Discurso é a teoria de sujeito concebida por Lacan. Para ele, o sujeito é clivado: divide-se entre o consciente e o inconsciente e, ponto fundamental, produz textos que refletem um trabalho ideológico inconsciente, trazido à luz pela linguagem. É a análise linguística  que revelará os componentes socio-ideológicos de uma composição textual e, consequentemente, de seu produtor e correspondente interlocutor. Cabe ao analista identificar as marcas da presença do sujeito nos textos.

Quanto ao materialismo histórico, de procedência marxista, sua importância para a Análise do Discurso destaca-se no conceito de ideologia. É Althusser – filósofo francês filiado ao Partido Comunista -  quem sustenta que a  ideologia não deve ser entendida como algo abstrato, como uma mera ideia, mas como fruto das tensões sociais, do lugar que o sujeito ocupa no mundo. Assim, o discurso dos médicos revela influências do meio a que os médicos pertencem. As mesmas observações podem ser feitas acerca das ideias defendidas pelos garis. O sujeito, portanto, não tem total liberdade para pensar. Antes, ele é assujeitado pelo grupo social de que faz parte.

Embora essa seja uma assertiva vinculada ao pensamento marxista, ela encontra amparo no arcabouço teórico de Saussure, o linguista genebrino que também defendia a tese segundo a qual a ideologia deve ser estudada em sua materialidade e não de forma abstrata. Acrescentava ser a linguagem o lugar privilegiado para a transmissão de concepções ideológicas.

Reiterando a informação: em decorrência de suas relações com o materialismo histórico, a Análise do Discurso sustenta que o sujeito ocupa um lugar social, em uma época específica, sendo que esses traços espaço-temporais emergem no texto  produzido. Assim, tanto o sujeito como o sentido se encontram no mundo; são históricos. Daí se dizer que todo o texto é reflexo de um determinado momento histórico.

Nesse caso, embora a Análise do Discurso defenda uma linha de estudos muito diferente daquela proposta por Saussure, mais uma vez o linguista revela sua influência sobre esses trabalhos mais contemporâneos: assim como um elemento da língua não se define por si, mas é resultante da relação com outros elementos, a ideologia não é algo abstrato, mas conseqüência do meio que a produz. Da mesma forma, um sujeito só se define em relação a outro sujeito; nunca por si só.

Para finalizar, talvez seja elucidativo conhecer o pensamento de Dominique Maingueneau, docente da Sorbonne. Ele identifica na linguística um núcleo rígido e um núcleo de contornos instáveis. O primeiro visa a estudar a língua como se ela fosse um conjunto de regras e propriedades; já o segundo a vê como um conjunto de estratégias de interlocução, produto de sujeitos inscritos em um momento histórico.


A fim de obter mais informações, consulte-se, entre várias outras,  a obra de Eni Orlandi, talvez a estudiosa de maior projeção no Brasil no âmbito da Análise do Discurso. 

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