sexta-feira, 4 de julho de 2014

A teoria dos atos da fala

Embora possa parecer estranho, é usual observar a influência das correntes filosóficas sobre o pensamento da linguística. É o que ocorreu também com a chamada Teoria dos atos da fala, a que se fez referência no último texto deste blog.

Quem abriu caminho para o aparecimento dessa linha teórica foi John L. Austin, um filósofo inglês que viveu entre 1911 e 1960. Contrariando as tendências então vigentes, Austin ressaltou a importância da linguagem como forma de comunicação, sustentando que deveriam ser focalizados não apenas o uso que a ciência faz dela nem apenas seu aspecto formal – como quis o filósofo, matemático e lógico alemão Gottlob Frege ou o linguista e filósofo suíço Ferdinand de Saussure.

Os estudos sobre a linguagem deveriam enfocar, sobretudo, o seu funcionamento cotidiano, aquele encontrado no dia a dia do usuário comum. Assim, seguindo a trilha - meio atabalhoadamente aberta pelo austríaco Ludwig Wittgestein – os filósofos concluíram que a linguagem não pode ser reduzida ao código linguístico. Ao contrário, por sua flexibilidade, ela é dependente de convenções sociais e o fundamental é estudar os enunciados e a situação em que eles são empregados.

Desenvolveram-se então trabalhos com o intuito de aprofundar e sistematizar as idéias de Wittgenstein, passando-se a priorizar, na análise dos enunciados, a circunstância em que eles se realizam.  Austin se dedicou a esses estudos em um livro chamado How to do things with words, em que busca interpretar questões, exclamações, comandos e não só os aspectos estruturais da língua.

Essas análises foram aprimoradas por John R. Searle  - hoje com 82 anos- um professor norte-americano da Universidade de Berkeley, que concentrou seus estudos científicos na filosofia da linguagem, explorando também os domínios da consciência e estados mentais nos atos de comunicação.

No Brasil, Rodolfo Ilari, em seu livro Introdução à semântica: brincando com a gramática, publicado pela editora Contexto (p 27 e seguintes), dedica um capítulo à formulação de exercícios que procuram aplicar, na linguagem corriqueira, os princípios da Teoria dos atos da fala.

Em um dos exercícios, o autor observa que, a partir de uma mesma estrutura linguística, é possível indicar a ocorrência de diferentes tipos de ação, graças ao uso dos recursos do aspecto modal do verbo, aliados a outros, como entonação. Assim, um esquema como cachorro + preso pode dar origem a:

a. uma declaração: Parece que o cachorro está preso.  
b.   uma pergunta: O cachorro pode estar preso?
c.  uma surpresa: O cachorro está preso?!
d. uma manifestação de dó: Coitado! O cachorro está preso há dois dias.

Em outro exemplo, Ilari se utiliza da seguinte frase optativa, que poderia acompanhar um presente de casamento:

Tomara que os noivos encontrem a felicidade.

Segundo a instrução do exercício, o estudante deverá substituir alguns termos que não considera apropriados (por exemplo: tomara) por outros que julga mais pertinentes à ocasião (como oxalá ou desejamos que...ou fazemos votos de que...). Realizada essa etapa, deveria ser feita uma reflexão: “Por que um uso é mais adequado que o outro em determinado contexto?”

Esses são, de forma muito generalizada, os princípios que norteiam a Teoria dos atos da fala para a qual, sempre que nos servimos de um enunciado, realizamos um tipo de ação: ou informamos, ou perguntamos, ou prometemos, ou autorizamos, entre inúmeras outras.


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