Embora possa parecer estranho, é
usual observar a influência das correntes filosóficas sobre o pensamento da
linguística. É o que ocorreu também com a chamada Teoria dos atos da fala, a que se fez referência no último texto
deste blog.
Quem abriu caminho para o aparecimento
dessa linha teórica foi John L. Austin, um filósofo inglês que viveu entre 1911
e 1960. Contrariando as tendências então vigentes, Austin ressaltou a
importância da linguagem como forma de comunicação, sustentando que deveriam
ser focalizados não apenas o uso que a ciência faz dela nem apenas seu aspecto
formal – como quis o filósofo, matemático e lógico alemão Gottlob Frege ou o
linguista e filósofo suíço Ferdinand de Saussure.
Os estudos sobre a linguagem deveriam enfocar, sobretudo, o seu funcionamento cotidiano, aquele encontrado no dia a
dia do usuário comum. Assim, seguindo a trilha - meio atabalhoadamente aberta pelo austríaco Ludwig Wittgestein – os filósofos concluíram que a linguagem não
pode ser reduzida ao código linguístico. Ao contrário, por sua flexibilidade, ela
é dependente de convenções sociais e o fundamental é estudar os enunciados e a
situação em que eles são empregados.
Desenvolveram-se então trabalhos com
o intuito de aprofundar e sistematizar as idéias de Wittgenstein, passando-se a
priorizar, na análise dos enunciados, a circunstância em que eles se realizam. Austin se dedicou a esses estudos em um livro
chamado How to do things with words,
em que busca interpretar questões, exclamações, comandos e não só os aspectos estruturais
da língua.
Essas análises foram aprimoradas por
John R. Searle - hoje com 82 anos- um
professor norte-americano da Universidade de Berkeley, que concentrou seus
estudos científicos na filosofia da linguagem, explorando também os domínios da
consciência e estados mentais nos atos de comunicação.
No Brasil, Rodolfo Ilari, em seu
livro Introdução à semântica: brincando
com a gramática, publicado pela editora Contexto (p 27 e seguintes), dedica
um capítulo à formulação de exercícios que procuram aplicar, na linguagem
corriqueira, os princípios da Teoria dos
atos da fala.
Em um dos exercícios, o autor observa
que, a partir de uma mesma estrutura linguística, é possível indicar a ocorrência de diferentes tipos de ação, graças ao uso dos recursos do aspecto modal do verbo, aliados a outros, como entonação. Assim, um esquema como cachorro + preso pode dar origem a:
a. uma declaração: Parece que o cachorro está preso.
b. uma pergunta: O cachorro pode estar preso?
c. uma surpresa: O cachorro está preso?!
d. uma manifestação de dó: Coitado! O cachorro está preso há dois dias.
a. uma declaração: Parece que o cachorro está preso.
b. uma pergunta: O cachorro pode estar preso?
c. uma surpresa: O cachorro está preso?!
d. uma manifestação de dó: Coitado! O cachorro está preso há dois dias.
Em outro exemplo, Ilari se utiliza da
seguinte frase optativa, que poderia acompanhar um presente de casamento:
Tomara que os noivos encontrem a
felicidade.
Segundo a instrução do exercício, o
estudante deverá substituir alguns termos que não considera apropriados (por
exemplo: tomara) por outros que julga
mais pertinentes à ocasião (como oxalá
ou desejamos que...ou fazemos votos de que...). Realizada essa
etapa, deveria ser feita uma reflexão: “Por
que um uso é mais adequado que o outro em determinado contexto?”
Esses são, de forma muito
generalizada, os princípios que norteiam a Teoria
dos atos da fala para a qual, sempre que nos servimos de um enunciado,
realizamos um tipo de ação: ou informamos, ou perguntamos, ou prometemos, ou autorizamos,
entre inúmeras outras.
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