A escolha de escrita a ser usada por um determinado povo está
relacionada a suas crenças e a sua história. Enfim, empregar a escrita
alfabética ou a não alfabética é uma opção, que está vinculada à cultura de um
povo. Entretanto, essa afirmativa, que
pode ser consensual hoje em dia, nem sempre o foi durante os séculos.
Vimos, no texto anterior, que os
gregos, a partir de uma colaboração dos fenícios, transformaram a escrita
silábica em alfabética. Até o século XVII, os outros europeus, influenciados
pelo pensamento grego, faziam uso desse tipo de grafia servindo-se, sobretudo,
do sistema árabe ou hebraico em seus registros.
Mesmo conhecedores que eram de outras
formas de escrita – caso dos hieróglifos ou do sistema pictográfico dos
indígenas, como as astecas e maias – a Europa manteve o hábito de se comunicar
por meio da escrita alfabética.
Todavia, o poderio da China se
projetava no mundo de então e o conhecimento de sua estranha escrita abalou as
convicções europeias que, respeitando o espectro da nova potência, passaram a
considerar sua escrita como racional e a conferir-lhe posição privilegiada Leibnitz, o conhecido filósofo alemão, partilhava
dessa ideia.
O mundo se alterava, entretanto e, na
segunda metade do século XVIII, os pontos de vista sobre a escrita apresentaram
outra configuração. A alfabética voltou a ser tida como a melhor forma de escrever.
Consequentemente, a escrita chinesa se desvalorizou e começou a ser taxada de
rudimentar.
Maurizio Gnerre, em Linguagem, escrita e poder, (São Paulo:
Martins Fontes, 1993) se refere a uma obra de Boswell de a791 (Life of Samuel Johnson.) para registrar
o tipo de pensamento que vigorava na época. Quando uma das personagens
argumenta que a língua dos chineses possuía mais sabedoria do que qualquer
outra porque dispunha de grande número de caracteres, a personagem central do livro
contra-argumentou que ela, na verdade, era:
... somente mais difícil devido a sua
rudimentaridade: assim como é mais trabalhoso cortar uma árvore com uma pedra
que com um machado. (GNERRE: 1993, 83)
No século XIX, essa visão
preconceituosa se acentuou. Na época, Europa e China viviam um confronto e a
influência da Europa era mais ampla. Comentando as relações de força entre os
países, muitos autores afirmavam que se localizava na escrita a causa da
“inferioridade” chinesa.
A decodificação dos hieróglifos por Champollion,
no mesmo século, alimentou o raciocínio canhestro, ao trazer à baila um fato
histórico: Alexandre, o Magno, reinava na Macedônia no século IV a.C. Ele
tivera uma educação helênica, que admirava e cujas orientações acatava,
incluindo-se o sistema alfabético de escrita. A vitória que obteve sobre os
egípcios, povo de escrita ideográfica, provava, segundo os pensadores do
momento, provava uma vez mais a superioridade da escrita alfabética sobre as
outras. Dessa forma, o alfabeto passou a ser supervalorizado e, como
decorrência, a cultura ocidental.
Nos inícios do século XX, mantinha-se
a mesma visão estreita. Pensadores, como
o filósofo francês Émile Durkhein, sustentavam que os chineses eram povos
primitivos o que se comprovava pela sua escrita. Esses raciocínios fieram com
que até mesmo os chineses acabassem se convencendo de que a silábica era superior
à sua forma de escrever e cogitaram substituir os caracteres de sua escrita pelas
do alfabeto. Com o alinhamento do governo chinês à ideologia comunista, o
sistema ideográfico passou a ser visto como próprio das classes dominantes e de
seus intelectuais. Assim, em 1958, ele foi substituído por um sistema de
transcrição baseado no alfabeto.
De acordo com as idéias de Foucault (apud
GNERRE,op. cit: 67), a escrita alfabética representa não o significado mas os
elementos fonéticos pelos quais nos expressamos. Já o ideograma representa
diretamente o significado.
Para evitar distorções comprometedoras,
é importante lembrar que as mudanças no modo de ver os símbolos da escrita estão
relacionadas ao modo como pensaram os homens no decorrer dos estágios que
constituem sua história.
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