quarta-feira, 16 de julho de 2014

Preconceito linguístico II. Prestígio x estigma..



A linguística é uma área antiga de estudo, mas foi apenas após a publicação dos trabalhos de Saussure que ela passou a ter o status de uma ciência cujo objetivo é focalizar a língua por meio de procedimentos rigorosos, capazes de conferir, às conclusões a que se chega, um grau considerável de confiabilidade.

Tal visão científica não lhe subtraiu, entretanto, o papel fundamental: ser um meio de comunicação entre os homens. Decorre dessa premissa a obrigatoriedade de acatar como aceitável todo tipo de formulação da língua que obtenha a compreensão da mensagem pelo interlocutor.

Em outros termos: se comunicar é uma propriedade inerente à língua e se estruturas estigmatizadas como A  gente vamos torcer para que tudo dê certo ou As menina chegô são entendidas pelo usuário, então...elas estão corretas.

Os lingüistas se batem por este ponto: por que considerar frases como a que se lê acima erradas se elas satisfazem o princípio essencial da língua?

Acontece que tais registros não são de prestígio. Pessoas que fazem uso de estruturas como essas são taxadas de pouco conhecedoras do idioma, de ignorantes, analfabetas... rótulos de que ninguém gosta evidentemente.

Para resolver esse tipo de problema, a sociolinguística defende a tese de que a língua oferece inúmeros matizes que podem – por vezes, devem – ser adequados ao contexto em que são utilizados. Por exemplo, não teria sentido fazer uso de uma variante com alto grau de formalismo em um encontro entre amigos. A escolha poderia parecer pretensiosa, arrogante e afastar as pessoas.

Mas, como já está difundido o bastante, não se pode, da mesma forma, fazer uso de um registro excessivamente informal em situações que requerem formalidade como é o caso de uma entrevista cujo objetivo conseguir um emprego.

Dessa forma, embora a linguística preconize igualdade para todas as variantes, a própria sociedade  fortalece a dicotomia prestígio x estigma. Em vista  desse panorama, talvez seja, de fato, caso de acatar a sugestão equilibrada da maior parte dos estudiosos: deve-se buscar a adequação entre a variante escolhida e o contexto em que se está, isto é, selecionar o registro que respeite o perfil do interlocutor, o momento e o local em que o ato comunicativo se realiza .

Para mais informações sobre o assunto, pode-se consultar a obra de Dino Preti, um precursor dos estudos sociolinguísticos no Brasil. Mas há outros trabalhos, como os de Fernando Tarallo e de Marcos Bagno, entre os quais Preconceito linguístico, uma pequena brochura, de leitura agradável, publicada pelas Edições Loyola.

O imprescindível, entretanto, é que o contato com o material desenvolvido pela sociolinguística não crie ilusões no leitor que possam fasciná-lo com propostas atraentes, inovadoras, mas que, aplicadas com descuido, são capazes de levar a perder de vista as exigências da sociedade em relação ao uso da língua.

Nenhum comentário:

Postar um comentário