domingo, 8 de junho de 2014

O discurso religioso

Dizemos ser o papel primordial da linguagem expressar, comunicar o que se passa ou na mente ou com as emoções de um indivíduo. Os mais recentes estudos sobre o assunto, entretanto, sustentam que usamos a linguagem, sobretudo, para  persuadir. Em outros termos: sempre que nos dirigimos a alguém, mesmo nas situações mais simples, objetivamos, na verdade, alterar seu comportamento.

Se observarmos algumas cenas triviais, veremos que a ideia tem fundamento. Pense, por exemplo, em uma pessoa que diz: Feche a porta, por favor. Certamente, ela não quer que o outro apenas a olhe e não se empenhe em fazer o que lhe foi pedido. E a mesma intenção se verifica tanto em situações mais simples – como dizer Oi! ou Bom dia! – como nas mais complexas quando a intenção é decididamente convencer. Então, articulamos as idéias de modo cuidadoso, selecionamos dados, argumentos, enfim, construímos um texto argumentativo que visa mostrar ao interlocutor a justeza de nossas posições.

Partindo desse princípio - de que nossas comunicações são carregadas de conteúdo ideológico que procuram levar o outro a fazer o que desejamos ou a crer no que acreditamos - Benedita de Cássia Durigan Piascitelli desenvolveu um trabalho acadêmico em que se propôs analisar o discurso religioso. Apoiou-se, para tanto, em conceitos de dois aparatos teóricos de linha francesa: a Análise do Discurso e a semiótica greimasiana.

Segundo a autora, esse tipo de discurso, assim como os outros, faz parte de um contexto social, responsável pela construção do indivíduo e sua história. Exerce, portanto, coerção sobre quem o recebe. A fim de provar suas convicções, ela estudou três textos proferidos em igrejas evangélicas pentecostais, focalizando as estratégias argumentativas usadas pelo pastor.

Grosso modo, a análise dos três textos mostrou que, no discurso religioso, para exercer sua manipulação – encarada, no trabalho, sem o viés negativo em geral associado a ela – o sacerdote emprega estratégias argumentativas por meio das quais ora intimida ora seduz o outro.

Como forma de intimidação, destaque-se o uso do imperativo, como em

Não deixe que as pessoas de fora te humilhem, não queira ser como todo o mundo, não deixe que a Rede Globo dite sua moda, garota!

e o emprego de expressões do tipo lá fora, o mundo que classificam os espaços onde se encontram os homens: os fieis, seguidores da palavra divina, e os outros, aqueles que não a respeitam. Os primeiros são os participantes do auditório, vistos como seres especiais, protegidos; os outros seriam os adversários de Deus. Instala-se, consequentemente, a oposição entre os tentadores e os santos, ou que perseguem a santidade.

Já a sedução se processa por outros tipos de construções frasais. Por meio delas, o pastor procura se aproximar da audiência, buscando cativar sua simpatia e alterar seu comportamento. É o que se observa pelo emprego de um vocabulário popular, como ...(não ter) vergonha na cara; pela utilização de uma sintaxe coloquial, com inversões desnecessárias como O cabelo dele parece que a vaca deu uma lambida (em vez de Parece que a vaca deu uma lambida no cabelo dele, estrutura usada para criticar os jovens que seguem, sem crítica, o comportamento de artistas do momento); pela presença de anacolutos: Hoje a gente no meio dos jovens nós vemos.

Tais tentativas de seduzir, conclui Cássia Piascitelli, na verdade, mascaram o tom impositivo do discurso religioso pois, na busca de aproximação com o auditório, o que o enunciador busca, em última instância, é persuadir o outro a seguir o padrão comportamental que a igreja propõe.







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