Dizemos ser o papel primordial da
linguagem expressar, comunicar o que se passa ou na mente ou com as emoções de
um indivíduo. Os mais recentes estudos sobre o assunto, entretanto, sustentam
que usamos a linguagem, sobretudo, para persuadir.
Em outros termos: sempre que nos dirigimos a alguém, mesmo nas situações mais
simples, objetivamos, na verdade, alterar seu comportamento.
Se observarmos algumas cenas
triviais, veremos que a ideia tem fundamento. Pense, por exemplo, em uma pessoa
que diz: Feche a porta, por favor.
Certamente, ela não quer que o outro apenas a olhe e não se empenhe em fazer o que
lhe foi pedido. E a mesma intenção se verifica tanto em situações mais simples
– como dizer Oi! ou Bom dia! – como nas mais complexas
quando a intenção é decididamente convencer. Então, articulamos as idéias de
modo cuidadoso, selecionamos dados, argumentos, enfim, construímos um texto
argumentativo que visa mostrar ao interlocutor a justeza de nossas posições.
Partindo desse princípio - de que
nossas comunicações são carregadas de conteúdo ideológico que procuram levar o
outro a fazer o que desejamos ou a crer no que acreditamos - Benedita de Cássia
Durigan Piascitelli desenvolveu um trabalho acadêmico em que se propôs analisar
o discurso religioso. Apoiou-se, para tanto, em conceitos de dois aparatos
teóricos de linha francesa: a Análise do Discurso e a semiótica greimasiana.
Segundo a autora, esse tipo de
discurso, assim como os outros, faz parte de um contexto social, responsável
pela construção do indivíduo e sua história. Exerce, portanto, coerção sobre quem
o recebe. A fim de provar suas convicções, ela estudou três textos proferidos em
igrejas evangélicas pentecostais, focalizando as estratégias argumentativas
usadas pelo pastor.
Grosso modo, a análise dos três textos mostrou que, no discurso
religioso, para exercer sua manipulação – encarada, no trabalho, sem o viés
negativo em geral associado a ela – o sacerdote emprega estratégias
argumentativas por meio das quais ora intimida ora seduz o outro.
Como forma de intimidação, destaque-se
o uso do imperativo, como em
Não deixe que
as pessoas de fora te humilhem, não queira ser como todo o mundo, não deixe que
a Rede Globo dite sua moda, garota!
e o emprego de expressões do tipo lá fora, o mundo que classificam os espaços
onde se encontram os homens: os fieis, seguidores da palavra divina, e os
outros, aqueles que não a respeitam. Os
primeiros são os participantes do auditório, vistos como seres especiais,
protegidos; os outros seriam os adversários de Deus. Instala-se, consequentemente, a oposição entre os tentadores e os santos, ou que perseguem a santidade.
Já a sedução se processa por
outros tipos de construções frasais. Por meio delas, o pastor procura se
aproximar da audiência, buscando cativar sua simpatia e alterar seu
comportamento. É o que se observa pelo emprego de um vocabulário popular, como ...(não
ter) vergonha na cara; pela
utilização de uma sintaxe coloquial, com inversões desnecessárias como O cabelo dele parece que a vaca deu uma
lambida (em vez de Parece que a vaca
deu uma lambida no cabelo dele, estrutura usada para criticar os jovens que seguem, sem crítica, o
comportamento de artistas do momento); pela presença de anacolutos: Hoje a gente no meio dos jovens nós vemos.
Tais tentativas de seduzir, conclui
Cássia Piascitelli, na verdade, mascaram o tom impositivo do discurso religioso
pois, na busca de aproximação com o auditório, o que o enunciador busca, em
última instância, é persuadir o outro a seguir o padrão comportamental que a
igreja propõe.
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