terça-feira, 10 de junho de 2014

Uma subversão no conceito de gramática

Se alguém lhe perguntasse o que é uma gramática, o que você responderia? 

               a. que é um conjunto de regras que ensina a falar e escrever bem?
                    b. que é um livro que mostra a forma correta de usar a língua?

Pois, de acordo com os atuais ensinamentos sobre gramática – um termo proveniente do grego -, as duas respostas não são as mais adequadas. Elas poderiam ser condizentes, no máximo, com o conceito de uso da norma culta, uma das modalidades da língua.

Joaquim Mattoso Câmara Jr (1904 – 1970), um lingüista voltado ao estudo da língua portuguesa, apoia-se em Saussure*, para definir gramática como um “sistema de meios de expressão”. Em essência, o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda, mesmo com menos autoridade, não diverge da ideia. Escreve ele que gramática é "o estudo ou tratado dos fatos da linguagem, falada ou escrita, e das leis naturais  que a regulam".
                        
Essas considerações levam-nos a vincular o termo mais ao que é espontâneo, natural, do que ao que é construído, artificial. As premissas nos permitem concluir, igualmente, que a gramática dedica-se a observar não só os princípios extrínsecos à língua, mas também aqueles que lhe são intrínsecos.

 Não é difícil notar a diferença entre leis intrínsecas e extrínsecas. As primeiras são as que regulam a fala espontânea dos indivíduos de uma determinada comunidade linguística. Por exemplo: nenhum falante do português – escolarizado ou não - colocaria o artigo após um nome. Ninguém diria: Metroviários os de São Paulo decretaram paralisação uma. Essa ordem de palavras, ainda que aceita em outras línguas, fere a índole do português e soa estranha a qualquer usuário, mesmo aquele que não sabe ler ou escrever. A frase – ou essa sintaxe frasal – vai de encontro à chamada gramática intrínseca da língua. Aquela que é natural, que se aprende em casa, que não se precisa de escola para conhecer.

Já as extrínsecas estão ligadas ao conceito convencional, a esse que todos usam quando se pergunta o que é gramática. Elas refletem sobre a língua, descrevem seus mecanismos, prescrevem suas leis. É graças a elas que sabemos, por exemplo, que a é uma vogal, que b é uma consoante e que a união dos dois fonemas cria a sílaba ba. É também por essa gramática explícita que classificamos a palavra mesa como um substantivo comum, simples, feminino, dissílabo...; que sabemos não ser conveniente falar Nós vai no cinema no sábado em ambientes que exigem o conhecimento da norma culta.

Você percebeu, portanto, que quando afirmamos ser o propósito da gramática ensinar a falar e escrever bem, estamos limitando excessivamente o alcance de sua área, mesmo porque, ainda que toda língua possua uma gramática, nem todas possuem uma gramática formal.

Veja: sem uma estrutura gramatical, não conseguiríamos nos entender. Já pensou se cada um dos falantes de uma língua resolvesse usá-la como bem lhe aprouvesse? A língua deixaria de ser um instrumento de comunicação. Assim, é preciso que haja regras, e que essas regras sejam obedecidas para que a comunicação se efetive. Essas leis do cotidiano, entretanto, não são ditadas por ninguém em especial: são fruto do um consenso estabelecido entre os usuários.

Temos que diferenciar, portanto, a gramática intrínseca da extrínseca. Mesmo que ambas sejam coercitivas - todos os usuários da língua têm de respeitar regras se quiserem ser compreendidos – a intrínseca é adquirida no berço enquanto a extrínseca depende dos mecanismos formais da escolarização para ser aprendida,

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*Ferdinand de Saussure é considerado o pai da lingüística moderna,






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