Se alguém lhe perguntasse o que é uma gramática, o que você
responderia?
a. que é
um conjunto de regras que ensina a falar e escrever bem?
b. que é
um livro que mostra a forma correta de usar a língua?
Pois, de acordo com os atuais
ensinamentos sobre gramática – um termo proveniente do grego -, as duas
respostas não são as mais adequadas. Elas poderiam ser condizentes, no máximo,
com o conceito de uso da norma culta, uma das modalidades da língua.
Joaquim Mattoso Câmara Jr (1904 –
1970), um lingüista voltado ao estudo da língua portuguesa, apoia-se em Saussure*,
para definir gramática como um “sistema de meios de expressão”. Em essência, o
dicionarista Aurélio Buarque de Holanda, mesmo com menos autoridade, não
diverge da ideia. Escreve ele que gramática é "o estudo ou
tratado dos fatos da linguagem, falada ou escrita, e das leis naturais que a regulam".
Essas considerações levam-nos a
vincular o termo mais ao que é espontâneo, natural, do que ao que é construído,
artificial. As premissas nos permitem concluir, igualmente, que a gramática dedica-se
a observar não só os princípios extrínsecos à língua, mas também aqueles que
lhe são intrínsecos.
Não é difícil notar a diferença entre leis
intrínsecas e extrínsecas. As primeiras são as que regulam a fala espontânea dos
indivíduos de uma determinada comunidade linguística. Por exemplo: nenhum
falante do português – escolarizado ou não - colocaria o artigo após um nome.
Ninguém diria: Metroviários os de São
Paulo decretaram paralisação uma. Essa ordem de palavras, ainda que aceita
em outras línguas, fere a índole do português e soa estranha a qualquer usuário,
mesmo aquele que não sabe ler ou escrever. A frase – ou essa sintaxe frasal –
vai de encontro à chamada gramática intrínseca da língua. Aquela que é natural,
que se aprende em casa, que não se precisa de escola para conhecer.
Já as extrínsecas estão ligadas
ao conceito convencional, a esse que todos usam quando se pergunta o que é
gramática. Elas refletem sobre a língua, descrevem seus mecanismos, prescrevem
suas leis. É graças a elas que sabemos, por exemplo, que a é uma vogal, que b é
uma consoante e que a união dos dois fonemas cria a sílaba ba. É também por essa gramática explícita que classificamos a
palavra mesa como um substantivo
comum, simples, feminino, dissílabo...; que sabemos não ser conveniente falar Nós vai no cinema no sábado em ambientes
que exigem o conhecimento da norma culta.
Você percebeu, portanto, que
quando afirmamos ser o propósito da gramática ensinar a falar e escrever bem,
estamos limitando excessivamente o alcance de sua área, mesmo porque, ainda que
toda língua possua uma gramática, nem todas possuem uma gramática formal.
Veja: sem uma estrutura gramatical,
não conseguiríamos nos entender. Já pensou se cada um dos falantes de uma
língua resolvesse usá-la como bem lhe aprouvesse? A língua deixaria de ser um
instrumento de comunicação. Assim, é preciso que haja regras, e que essas
regras sejam obedecidas para que a comunicação se efetive. Essas leis do
cotidiano, entretanto, não são ditadas por ninguém em especial: são fruto do um
consenso estabelecido entre os usuários.
Temos que diferenciar, portanto,
a gramática intrínseca da extrínseca. Mesmo que ambas sejam coercitivas - todos
os usuários da língua têm de respeitar regras se quiserem ser compreendidos – a
intrínseca é adquirida no berço enquanto a extrínseca depende dos mecanismos
formais da escolarização para ser aprendida,
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*Ferdinand de Saussure é
considerado o pai da lingüística moderna,
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