Você já leu um livro chamado O professor? Ele foi escrito por
Cristovão Tezza, um brasileiro nascido em Santa Catarina, mas que desenvolveu
grande parte de sua vida no Paraná.
O protagonista da obra é Heliseu da Motta e
Silva, como o título sugere, um docente de universidade pública que atua na
área de Letras, em uma disciplina chamada Gramática
Histórica, atualmente um tanto marginalizada, mas importante para conhecer
a origem e as transformações de uma língua.
A trama gira em torno da vida desse professor
e focaliza, sobretudo, suas relações pessoais: com a mulher, Mônica, com o
filho, com os pais, com os colegas de trabalho e com Therèze (escrito com um
acento apenas), a orientanda com quem, durante um período de tempo, esteve
afetivamente envolvido.
O ponto forte do livro, entretanto, não está
no enredo, mas no modo como foi construída a narrativa. O tempo, o espaço e as personagens que correspondem
ao momento em que se narram os fatos são altamente restritos. O aspecto temporal
limita-se à preparação de Heliseu para a solenidade em que receberá um prêmio
da instituição onde trabalhou durante anos; ele está em sua casa, mas se
movimenta apenas pelo banheiro, pelo quarto e pela sala de refeições (dimensão espacial);
como personagens, além do próprio Heliseu, há somente uma antiga
empregada, a quem os hábitos da casa são familiares.
Ancorada nesse tripé, a trama se desenvolve,
entretanto, com vários episódios, todos vivos apenas na memória do
protagonista. Assim, os fatos são relatados como e quando lhe vêm à mente, de
modo desorganizado, aleatório. É por essas lembranças que sabemos ser ele viúvo
– Mônica teve morte inesperada: tratava de suas plantas no terraço do
apartamento quando se desequilibrou e caiu.
Temos conhecimento também das
relações tumultuadas com o filho, que assume a homossexualidade e vai morar no
exterior; de sua aversão por uma amiga de sua esposa – insinuam-se relações
além da amizade, mas não se encontram, no texto, fatos que comprovem a hipótese.
O leitor recebe também rápidas informações sobre o panorama político – com que
o protagonista não se envolve - vigente no Brasil da época (década de 80).
Além desse fluxo desordenado da consciência,
é digna de nota a alternância de pessoa do discurso que se observa na
construção do narrador: por vezes, nós nos deparamos com a primeira pessoa
(aquela que gira em torno do eu):
...estava ali diante de mim o meu
nome no cronograma do semestre...
Mas, por vezes, ocorre a terceira pessoa (a
que emprega o ele):
Fechou
os olhos. Estava no cafezinho do departamento...
sem que se observe qualquer indício da
mudança: não há alteração de linha nem sinal de pontuação que aponte a troca de
uma pessoa por outra. Esse recurso, que no início causa estranheza, aos poucos
vai sendo incorporado à leitura e não compromete em absoluto a compreensão do
texto.
Assim, não obstante a ancoragem de tempo,
espaço e personagens ser bastante econômica, a trama demonstra vivacidade,
repleta dos fatos que rechearam a vida de um homem à beira da aposentadoria.
Nota: Tezza possui
uma produção diversificada. Entre os livros publicados, encontra-se O filho eterno, que recebeu vários
prêmios, tem traduções para outras língua e adaptação para o teatro. Há também
um projeto de adaptá-lo ao cinema.
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