domingo, 1 de junho de 2014

O Professor




Você já leu um livro chamado O professor? Ele foi escrito por Cristovão Tezza, um brasileiro nascido em Santa Catarina, mas que desenvolveu grande parte de sua vida no Paraná.

O protagonista da obra é Heliseu da Motta e Silva, como o título sugere, um docente de universidade pública que atua na área de Letras, em uma disciplina chamada Gramática Histórica, atualmente um tanto marginalizada, mas importante para conhecer a origem e as transformações de uma língua.

A trama gira em torno da vida desse professor e focaliza, sobretudo, suas relações pessoais: com a mulher, Mônica, com o filho, com os pais, com os colegas de trabalho e com Therèze (escrito com um acento apenas), a orientanda com quem, durante um período de tempo, esteve afetivamente envolvido.

O ponto forte do livro, entretanto, não está no enredo, mas no modo como foi construída a narrativa. O tempo, o espaço e as personagens que correspondem ao momento em que se narram os fatos são altamente restritos. O aspecto temporal limita-se à preparação de Heliseu para a solenidade em que receberá um prêmio da instituição onde trabalhou durante anos; ele está em sua casa, mas se movimenta apenas pelo banheiro, pelo quarto e pela sala de refeições (dimensão espacial); como personagens, além do próprio Heliseu, há somente uma antiga empregada, a quem os hábitos da casa são familiares.

Ancorada nesse tripé, a trama se desenvolve, entretanto, com vários episódios, todos vivos apenas na memória do protagonista. Assim, os fatos são relatados como e quando lhe vêm à mente, de modo desorganizado, aleatório. É por essas lembranças que sabemos ser ele viúvo – Mônica teve morte inesperada: tratava de suas plantas no terraço do apartamento quando se desequilibrou e caiu.

Temos conhecimento também das relações tumultuadas com o filho, que assume a homossexualidade e vai morar no exterior; de sua aversão por uma amiga de sua esposa – insinuam-se relações além da amizade, mas não se encontram, no texto, fatos que comprovem a hipótese. O leitor recebe também rápidas informações sobre o panorama político – com que o protagonista não se envolve - vigente no Brasil da época (década de 80).

Além desse fluxo desordenado da consciência, é digna de nota a alternância de pessoa do discurso que se observa na construção do narrador: por vezes, nós nos deparamos com a primeira pessoa (aquela que gira em torno do eu):

...estava ali diante de mim o meu nome no cronograma do semestre...

Mas, por vezes, ocorre a terceira pessoa (a que emprega o ele):

                              Fechou os olhos. Estava no cafezinho do departamento...

sem que se observe qualquer indício da mudança: não há alteração de linha nem sinal de pontuação que aponte a troca de uma pessoa por outra. Esse recurso, que no início causa estranheza, aos poucos vai sendo incorporado à leitura e não compromete em absoluto a compreensão do texto.

Assim, não obstante a ancoragem de tempo, espaço e personagens ser bastante econômica, a trama demonstra vivacidade, repleta dos fatos que rechearam a vida de um homem à beira da aposentadoria.

O livro tem sido bem avaliado. Se você gosta de ler, O Professor é uma boa indicação.  Na forma impressa, foi publicado pela Editora Record (São Paulo / Rio de Janeiro); na digital, é vendido pela Amazon.


Nota: Tezza possui uma produção diversificada. Entre os livros publicados, encontra-se O filho eterno, que recebeu vários prêmios, tem traduções para outras língua e adaptação para o teatro. Há também um projeto de adaptá-lo ao cinema.

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